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Como a ciência conecta SURDEZ e DEMENCIA

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Surdez e demencia estão intimamente ligadas, e vou explicar isso em detalhes neste post. Meu nome é Luciano Moreira, e sou médico otorrino especializado em surdez e cirurgias da audição.

Nossos ouvidos contêm estruturas complexas que capturam e amplificam ondas sonoras antes de convertê-las em sinais elétricos. Esses sinais são enviados ao cérebro, onde são interpretados como sons que o ser humano reconhece. Nossos ouvidos estão constantemente trabalhando para captar os sons ao nosso redor, mesmo enquanto estamos dormindo. Mas é o nosso cérebro que realiza o trabalho pesado para dar sentido a tudo o que ouvimos.

Como Nós Escutamos

A cóclea transforma as vibrações sonoras em impulsos elétricos que seguem através de centros de processamento no tronco cerebral e no mesencéfalo. Esses centros trabalham juntos para refinar e integrar as informações auditivas, o que ajuda em coisas como determinar a direção dos sons. A partir daí, os sinais refinados viajam para o córtex auditivo localizado nos lobos temporais do cérebro. É aqui que interpretamos os sons, entendendo tudo, desde a melodia de uma música até as palavras pronunciadas em outra língua que não a nossa.

 

Quando alguém tem perda auditiva, isso pode causar mudanças no cérebro, especialmente em uma parte chamada lobo temporal. O lobo temporal está envolvido tanto na memória de curto prazo quanto na de longo prazo, processamento auditivo, compreensão da linguagem, reconhecimento facial e respostas emocionais.

Estudos recentes apontaram para mudanças nos centros de processamento do cérebro mesmo em resposta à perda auditiva leve. Se o cérebro não está recebendo os sinais necessários para o processamento auditivo, então essa área pode ser “requisitada” para outros sentidos, como visão ou tato.

COMO O CÉREBRO PROCESSA OS SONS?

Em nossas regiões cerebrais de nível superior, o processamento do som é integrado com outras funções sensoriais e cognitivas. A conexão do cérebro auditivo com o sistema límbico ajuda a atribuir significado emocional aos sons, proporcionando a conexão pessoal que sentimos com os sons que ouvimos.

O cérebro está também constantemente filtrando sons indesejados, ajudando-nos a focar no som que queremos ouvir. Já ouviu seu nome ser chamado em uma sala cheia de gente? Instantaneamente, ao ouvir o seu nome, você procura ao redor para descobrir quem te chamou. E é graças às nossas capacidades avançadas de processamento auditivo que o nosso cérebro pode facilmente destacar o nosso nome num ambiente barulhento.

SURDEZ E DEMÊNCIA

A demência é um distúrbio neurológico progressivo que afeta a memória, o pensamento, o comportamento e a capacidade de realizar tarefas cotidianas. Pesquisas médicas recentes revelaram uma ligação entre perda auditiva e demência. No Crônicas da Surdez, há um post muito bom sobre surdez e demência.

Os estudos mostraram que ter algum grau de surdez está correlacionado com um risco maior de desenvolver demência. Mesmo uma perda auditiva leve duplica o risco de desenvolver demência; e uma perda auditiva moderada triplica o risco de demência.

Em 2020, a revista The Lancet divulgou descobertas que identificaram nove fatores de risco modificáveis para demência. Entre esses, a perda auditiva foi destacada como o maior fator de risco modificável, contribuindo com 9% do risco.

Existem quatro possíveis explicações para a ligação entre perda auditiva e demência, e elas não são mutuamente exclusivas.

Explicação 1:  Problemas Fisiológicos Comuns Podem Afetar Tanto a Audição Quanto a Cognição

Doença vascular pode impactar o fornecimento de sangue para áreas do cérebro que são críticas tanto para a audição quanto para a cognição.

A degeneração relacionada à idade das células cerebrais (neurodegeneração) também pode ser um fator, afetando novamente células cerebrais relevantes tanto para a audição quanto para habilidades cognitivas gerais.

Embora problemas fisiológicos possam explicar parte da ligação entre perda auditiva e demência, é provável que haja outros fatores em jogo. Sabemos disso porque aparelhos auditivos provaram afastar a demência naqueles com maior risco de declínio cognitivo, e o uso de aparelhos auditivos não trata a doença vascular subjacente, etc.

Explicação 2: A surdez Leva ao Isolamento Social, Que Está Ligado ao Declínio Cognitivo

Pessoas com perda auditiva experimentam níveis mais altos de isolamento social, sentimentos de solidão e depressão do que pessoas sem perda auditiva. Estes são todos fatores de risco conhecidos para demência.

Explicação 3: Ouvir com Perda Auditiva Requer Mais Energia Mental, Esgotando Reservas para Lidar Com o Declínio Cognitivo

A memória de trabalho é como um bloco de notas mental onde temporariamente anotamos e processamos informações. Quando você escuta uma conversa, sua memória de trabalho ajuda a reter as palavras, entender seu significado e pensar em uma resposta.

Se você tem perda auditiva, é como tentar ler um livro com algumas palavras borradas. Você pode perder partes do que está sendo dito, então seu cérebro precisa trabalhar mais para preencher as lacunas e entender a mensagem completa.

A energia mental extra necessária para preencher as lacunas desvia recursos cognitivos vitais de sua energia cognitiva geral e isso pode limitar as reservas de energia mental necessárias para lidar com patologias cerebrais existentes (por exemplo, amiloidose, neurodegeneração) que levam à demência.

Explicação 4: Mudanças no Cérebro Causadas pela Perda Auditiva Criam Mudanças Funcionais Ligadas à Demência

Quando alguém tem perda auditiva, isso pode causar mudanças no cérebro, especialmente em uma parte chamada lobo temporal. O lobo temporal está envolvido tanto na memória de curto prazo quanto na de longo prazo, processamento auditivo, compreensão da linguagem, reconhecimento facial e respostas emocionais.

Estudos recentes apontaram para mudanças nos centros de processamento do cérebro mesmo em resposta à perda auditiva leve. Se o cérebro não está recebendo os sinais necessários para o processamento auditivo, então essa área pode ser “requisitada” para outros sentidos, como visão ou tato. Pense assim : se o ouvido não está enviando sons claros para o cérebro (por causa da perda auditiva), o cérebro pode começar a reorganizar o seu funcionamento. Se o ouvido continuar enviando sinais fracos ou pouco claros por muito tempo, o lobo temporal pode até começar a atrofiar ou encolher. Alguns pesquisadores hipotetizaram que isso pode afetar outras funções cognitivas do lobo temporal.

Uma equipe de especialistas da Universidade Johns Hopkins conduziu recentemente um ensaio clínico financiado pelo NIH (Estados Unidos) com quase 1.000 adultos com idade entre 70 e 84 anos para explorar a ligação entre aparelhos auditivos e declínio cognitivo.

Os participantes foram aleatoriamente designados para usar aparelhos auditivos ou participar de um programa de educação sobre saúde. Os dois grupos foram acompanhados por 3 anos, permitindo aos pesquisadores comparar as taxas de declínio cognitivo.

Os participantes que exibiram mais fatores de risco para desenvolver demência experimentaram uma redução de quase 50% nas taxas de declínio cognitivo ao usar aparelhos auditivos, comparados àqueles que participaram do programa de educação sobre saúde apenas. Ou seja: tratar a sua surdez usando aparelhos auditivos pode salvar o seu cérebro.

Se você está percebendo sinais de declínio cognitivo, não hesite em tomar uma atitude: procure um médico otorrino e também faça uma audiometria. Caso seja constatada uma perda auditiva, siga à risca a recomendação do seu otorrino e faça tudo o que estiver ao seu alcance para manter a saúde do seu cérebro em dia.

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Dr. Luciano Moreira otorrino

Dr. Luciano Moreira – CRM-RJ 65192-3

Médico Otorrinolaringologista especializado em cirurgias da audição

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