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A Surdez Pós-lingual e o Implante Coclear – Dr. Luciano Moreira, OTORRINO

Perder a audição depois de já ter ouvido por um tempo faz uma enorme diferença para os pacientes implantados. Ouvir é uma habilidade que precisamos “aprender” e quando esse aprendizado ocorre nos primeiros anos de vida, junto com a aquisição de alguma linguagem, os resultados do IC costumam ser bem melhores. Assim como uma segunda língua é mais facilmente aprendida na infância do que na idade adulta, “aprender a ouvir” mais tarde é um desafio bem maior. Assim, o passo a passo até o implante coclear nesse grupo de pessoas é um pouco diferente.

Para descrever o passo a passo desse grupo, parto do pressuposto que são pacientes que já fazem uso de aparelho auditivo e que os mesmos deixaram de ser úteis. Entretanto, existem mais raramente os candidatos pós-linguais que não estão em uso de AASI e somente entrarão numa candidatura ao IC caso venham a utilizá-los por um período médio de 3 meses, tempo para avaliarmos o ganho obtido pelos mesmos.

Consulta Médica Otorrinolatingológica

Diante da constatação ou mesmo a suspeita de uma perda auditiva, consultar um médico otorrinolaringologista é o primeiro passo. Apesar de não serem muitos os profissionais que cuidam especificamente de surdez e compõem equipes de implante coclear, todo otorrinolaringologista está preparado para uma investigação inicial desses casos. Numa consulta, os dados clínicos e da história do paciente são colhidos, como a existência de fatores de risco para a surdez (quadro 1), além de um exame clínico e otoscópico completos. Em alguns casos, a perda de audição pode ser decorrente de uma otite média com acúmulo de secreção no interior do ouvido ou mesmo por uma rolha de cera. Havendo a suspeita e a necessidade de se investigar a audição, segue-se o próximo passo.

Quadro 1.

FATORES DE RISCO PARA SURDEZ
Envelhecimento
Hereditariedade
Exposição ao barulho
Medicamentos ototóxicos
Algumas doenças

Avalição Auditiva Completa

Como nesses casos estamos diante de pacientes adultos ou crianças e que já possuem alguma linguagem, os testes usados aqui são diferentes daqueles aplicados na surdez pré-lingual. A audiometria realizada em cabine acústica com uso de fone e vibrador ósseo é o primeiro e mais importante exame. Apesar de ser acompanhado de testes complementares para definição da indicação do implante, a audiometria isoladamente é capaz de dividir os pacientes em grupos, de acordo com o tipo de surdez (condutiva ou sensorioneural) e a gravidade (leve, moderada, severa e profunda). Assim, poderão ser candidatos ao implante coclear apenas os casos de surdez sensorioneural e de gravidade severa/profunda. Os demais merecerão outros tipos de tratamento, seja com medicações, cirurgias ou o uso de aparelhos auditivos.

Aqueles selecionados para continuar na investigação para o IC serão então submetidos a testes auditivos mais específicos, alguns deles em uso de AASI. Diante da surdez sensorioneural severa/profunda, o objetivo agora é saber qual o seu desempenho auditivo com AASI e se o IC pode superá-lo. Um teste fundamental aplicado pelo fonoaudiólogo nessa etapa é o “teste de sentenças”. Este é realizados com o paciente em uso de AASI. A capacidade de entender as frases apresentadas, sem leitura labial, é um dos resultados mais importantes na indicação do IC.

O PEATE (Potencial evocado auditivo do tronco encefálico) também conhecido como BERA é um teste objetivo capaz de estimar os limiares auditivos (nível de audição) em algumas frequências específicas pode ser realizado em alguns casos, embora ele não seja fundamental nos pacientes com surdez pós-lingual.

O exame do labirinto (vectoeletronistagmografia) pode estar indicado em alguns casos para ajuda na escolha de qual lado ser implantado ou na definição de implantes bilaterais e não é um realizado em todos os casos.

Avaliação da Linguagem

Nessa etapa, o fonoaudiólogo fará uma avaliação da qualidade da linguagem do paciente, principalmente a sua fala, mas também a leitura labial, leitura, escrita, linguagem de sinais, bem como a disposição e o interesse do paciente em se comunicar por essas vias. Falamos anteriormente de que quanto melhor esse domínio da fala, melhor tende a ser o resultado da reabilitação após o implante. Essa avaliação ajuda a traçar um programa personalizado de reabilitação para cada caso.

Exames Radiológicos

A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância nuclear magnética (RNM) são exames de imagens que nos permitem enxergar a anatomia interna do ouvido e suas conexões com o cérebro, especialmente a cóclea e os nervos auditivos. Em adultos e crianças maiores, são exames de fácil realização. A RNM pode requerer a administração de um contraste endovenoso chamado gadolíneo (não derivado de iodo e pouco sujeito a alergias). Nos pacientes que se preparam para o implante, esses exames nos permitem antever dificuldades e fazermos adaptações na técnica para cada cirurgia. Na surdez causada pela meningite por exemplo, eles podem nos mostrar a grau de ossificação da cóclea (achado frequente nesses casos) e a consequente dificuldade para introdução dos eletrodos. Mais raramente a RNM pode revelar a ausência ou o mal desenvolvimento do nervo auditivo, quando a expectativa de bons resultados do IC é menor, podendo o mesmo estar contraindicado.

Eventualmente, TC e RNM também podem ajudar a elucidar a causa da surdez, como nos casos de aquedutos vestibulares alargados ou outras má formações do ouvido interno.

Avaliação e Conduta Psicológica

A descoberta da surdez, a convivência com a mesma, o uso de AASI ou de IC são situações que abalam psicologicamente o paciente e a família. A equipe deve estar atenta e um psicólogo experiente e habituado com esse cenário pode ajudar a identificar os pontos críticos, trazendo grande ajuda na realização e no período adaptação e reabilitação posteriores ao implante.

A estrutura e o suporte familiar, o ambiente educacional ou profissional devem ser avaliados nessa etapa. Dependendo da identificação de alguns pontos críticos, pode ser interessante o aconselhamento e atuação junto a familiares e professores para orientar a melhor maneira de inserir a criança ou adolescente implantado em casa e na escola, e os adultos em seu ambiente de trabalho.

Outro ponto importante e que merece muito cuidado é a avaliação e adequação das expectativas do paciente, dos pais e demais familiares envolvidos. A realização do implante coclear é envolta em muita expectativa e não é para menos. Qualquer paciente que decide partir para o IC espera que volte a ouvir e tenha uma vida melhor. Mas sabemos que mesmo havendo candidatos mais ou menos propensos a bons resultados, nenhum desses fatores é 100%. Assim, candidatos bons podem ter maus resultados e vice versa. Pacientes e familiares devem obrigatoriamente estarem cientes disso.

Consultas Médicas de Outras Especialidades

A surdez pode aparecer também em pessoas que tenham outras alterações, doenças ou má formações. Assim, existem condições em que o problema que originou da surdez pode trazer outras sequelas (na meningite por exemplo). Também podem existir problemas não relacionados mas que poderão influenciar no resultado ou na melhor estratégia de reabilitação. Pacientes deprimidos ou uma deficiência visual dificultando a leitura labial, são dois exemplos.

Além disso, exames pré-operatórios são realizados como antes de qualquer cirurgia. Pacientes com problemas cardiológicos ou respiratórios podem ter um risco aumentado para a cirurgia com a anestesia geral e devem ser avaliados cuidadosamente pelos especialistas de cada área.

Frente a condições desse tipo, é de suma importância a participação de especialistas de outras áreas médicas, principalmente neurologia, oftalmologia, pediatria e genética.