Surdez pré-lingual é aquela que se instala antes que a criança tenha tido o contato com a linguagem oral suficiente para aprender a ler, falar ou entender a fala. São pacientes sem memória auditiva.
Esse grupo é composto em sua maioria por bebês que tiveram resultado negativo no teste das otoemissões acústicas (teste da orelhinha) ou por crianças que não apresentaram desenvolvimento normal da fala nos primeiros meses ou anos de vida, chamando a atenção dos pais ou do pediatra.
Diante da suspeita de surdez numa criança ainda tão nova, o susto e o abatimento dos pais são quase regra. É fundamental que todos os profissionais envolvidos entendam as nuances psicológicas envolvidas nesse cenário e trabalhem em conjunto para trazer segurança à família. Uma lembrança importante nessa fase – e muitas vezes consoladora – é que apesar do “susto”, fazer o diagnóstico de surdez tão cedo deve ser considerado um grande mérito para os pais e profissionais, uma vez que o tempo e a idade são fatores cruciais. A surdez em crianças que ainda não desenvolveram linguagem é hoje vista por nós como urgência médica. Sabemos que quanto mais tempo de privação auditiva nessa fase, maior o prejuízo e, se agirmos cedo, podemos impedir que esses prejuízos se instalem. Assim, diante de qualquer suspeita, é fundamental que se inicie o passo a passo a seguir, que poderá ser interrompido em alguma das etapas, caso a hipótese de perda auditiva seja descartada.
Consulta Otorrinolaringológica
O primeiro passo deve ser uma consulta com o médico otorrinolaringologista. Apesar de profissionais que cuidam especificamente de surdez e compõem equipes de implante coclear não serem muitos, todo otorrinolaringologista deve estar preparado para conduzir a investigação inicial da audição. Na consulta, os dados clínicos e da história da criança são colhidos, um exame físico otorrinolaringológico completo deve ser feito, com especial atenção à orelha. O exame endoscópico ou microscópico fornece imagens com grande definição e que podem ser gravadas (vídeo 1).
Durante esse exame podemos nos deparar com alterações como perfurações no tímpano, como na figura abaixo.
Entretanto, mesmo com o uso de diapasões, a audição não pode ser bem aferida clinicamente, mantendo-se a suspeita de uma surdez, segue-se a avaliação auditiva como próximo passo.
Avaliação Auditiva Completa
Esta é uma etapa desafiadora. É ela que poderá comprovar a existência da surdez e medir a gravidade da mesma. No bebê ou na criança que não podem responder às perguntas ou se expressarem adequadamente, isso não é tarefa fácil. Apesar disso, médicos ou fonoaudiólogos atuando especializados e experientes em audiologia infantil quase sempre são capazes disso.
Podemos dividir os exames de audição em dois grupos: Os exames subjetivos (comportamentais) e os exames objetivos.
Os exames subjetivos são aqueles que precisam da resposta (ou reação) de algum tipo da pessoa que está sendo examinada. Assim, em crianças maiores ou que compreendem instruções, pode-se tentar fazer a audiometria comum, dentro de uma cabine, com o uso de fones de ouvido ou caixas de som, ensinando ou condicionando a criança a dar um certo tipo de resposta quando ouve algum som. Já nos bebês e crianças nas quais isso não é possível, pode-se tentar observar suas reações e reflexos (piscar de olhos, contrações faciais, desvio do olhar e da cabeça) aos sons produzidos por instrumentos musicais, por exemplo. Esses testes são chamados de comportamentais justamente por exigirem uma ação, ou reação da criança examinada aos estímulos apresentados.
Já os testes objetivos são realizados com a criança em repouso total. Quando é impossível que a criança fique quieta pelo tempo suficiente, pode ser necessário alguma sedação ou mesmo anestesia. O principal exame deste grupo, o PEATE (potencial evocado auditivo do tronco encefálico) – também conhecido pela sigla em inglês BERA (Brainstem Evoked Response Audiometry) – é capaz de estimar os limiares auditivos (nível de audição) em algumas frequências específicas. A principal vantagem deste exame é que pode ser realizado em todas as crianças. Entretanto, é um teste que abrange menos frequências que a audiometria comportamental e pode também estar alterado em casos de autismo ou bebês prematuros por exemplo. Nos últimos anos, temos a disponibilidade da Resposta Auditiva de Estado Estável (RAEE), que abrange mais frequências , auxiliando no diagnóstico.
Aparelhos Auditivos e Terapia Fonoaudiológica
Nesse ponto já podemos ter confirmado a surdez e estimado sua gravidade. Assim, o próximo passo é a adaptação de aparelhos auditivos nas duas orelhas por um período médio de 3 meses, acompanhando de terapia fonoaudiológica e observação da evolução das respostas das crianças à estimulação sonora. Essa etapa é importantíssima pois é ela que vai nos confirmar ou não a necessidade do IC. Algumas crianças podem apresentar boa reação aos estímulos com os AASI e algum desenvolvimento de linguagem, não tendo num primeiro momento a indicação de receberem o IC. Nas crianças que não apresentam esses progressos, o IC passa então a estar indicado. Essa etapa deve ser realizada por fonoaudiólogos muito bem capacitados e habituados ao tratamento de crianças surdas. Os AASI devem ser os melhores e na melhor adaptação possível. Afinal estamos chegando na hora da definição mais importante de todo esse processo. Vamos ou não para o IC?
Exames Radiológicos
A tomografia computadorizada (TC) e a ressonância nuclear magnética (RNM) são exames de imagens que nos permitem avaliar a anatomia interna do ouvido além do que é clinicamente visível, especialmente a cóclea e os nervos auditivos. Em crianças pequenas, esses exames podem requerer sedação ou anestesia geral devido à dificuldade da mantê-los imóveis pelo tempo necessário para o estudo.
Nos pacientes que se preparam para o IC, eles nos permitem antever dificuldades e fazer adaptações na técnica para cada cirurgia. Na surdez causada pela meningite por exemplo, os exames de imagem podem nos mostrar ossificação da cóclea, qual o grau de dificuldade para introdução do IC ou mesmo se a cirurgia é possível. Mais raramente a RNM pode revelar a ausência ou o mal desenvolvimento do nervo auditivo, quando a expectativa de bons resultados do IC é menor, podendo ele ser contraindicado.
Eventualmente, TC e RNM também podem ajudar a elucidar a causa da surdez, como nos casos de aquedutos vestibulares alargados ou de mal formações do ouvido interno.
Avaliação e Conduta Psicológica
A descoberta da surdez, a convivência com a mesma, o uso de AASI ou de IC são situações que abalam psicologicamente o paciente e a família. A equipe deve estar atenta e um psicólogo pode ajudar a identificar os pontos críticos, facilitando a realização da cirurgia e a adaptação posterior ao IC.
A estrutura e o suporte familiar, o ambiente educacional e escolar devem ser avaliados nessa etapa. Quando identificada alguma inadequação na escola ou em casa, o aconselhamento aos familiares e professores pode ajudar a inserir a criança nesses ambientes.
Outro ponto importante e que merece muito cuidado é a avaliação e o ajuste das expectativas dos pais e dos demais familiares envolvidos. A realização do implante coclear é envolta em muita expectativa e não é para menos. Qualquer pai e mãe que submetem seu filho ao IC esperam que a criança passe a ouvir, aprenda a falar e se desenvolva bem. Entretanto, deve ser deixado claro que resultados específicos nunca estão garantidos. Embora já tenhamos falado no início deste guia dos fatores que tornam os candidatos mais ou menos propensos a bons resultados, nenhum desses fatores é 100%. Assim, candidatos bons podem ter maus resultados e vice versa. A família deve obrigatoriamente estar ciente disso.
Consultas Médicas de Outras Especialidades
A surdez pode aparecer também em crianças que tenham outras alterações, doenças ou malformações.
Crianças com atraso do desenvolvimento motor devem ser avaliados pelo neurologista. A síndrome de Usher é um exemplo de doença genética que pode acarretar perda visual além da surdez e deve ser acompanhada por um oftalmologista. Em outras síndromes genéticas podem ser necessárias cirurgias para corrigir outras malformações. Em quadros sindrômicos mais complexos, é importante a participação de um médico geneticista.
Além disso, exames pré-operatórios são realizados como antes de qualquer cirurgia. Pacientes com problemas cardiológicos ou respiratórios podem ter um risco aumentado para a cirurgia com a anestesia geral e devem ser avaliados cuidadosamente pelos especialistas de cada área.
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