Dr. Luciano Moreira – OTORRINO – Surdez – Otosclerose – Implante Coclear -Rinoplastia -Rio de Janeiro – Cirurgia de Ouvido, Nariz e Garganta

O Pai da Internet e o Tratamento Integral da Surdez

Escrevi esse post em 2015, depois de assistir à fala de Vint Cerf na ACI Alliance. Naquela época, eu não poderia imaginar que um dia me reuniria online com ele, sua esposa Sigrid, minha esposa Paula e Donna Sorkin (diretora da ACI Alliance) em plena pandemia, para compartilhar experiências sobre reabilitação auditiva.

 

 

18/10/2015 – De Washington, DC. Congresso da ACI Alliance

Com a palavra, Dr. John Niparko, apresentador da espetacular sessão plenária dessa manhã: “Existem poucas pessoas que têm a oportunidade de participar de projetos ou inovações que mudam para sempre a maneira que vivemos”.

No palco, diante dos que tiveram a chance de comparecer, estavam algumas pessoas incluídas nessa categoria. Para moderar o painel, ninguém menos do que o engenheiro Vinton Cerf, conhecido como um dos “pais da internet”, co-criador dos protocolos conhecidos como TCP/IP.

Além de atuar junto ao Google e inúmeras outras instituições públicas e privadas da área tecnológica e trabalhar num projeto que pretende implementar uma internet interplanetária (é sério!), Vinton Cerf  tem uma esposa surda e usuária de implante coclear bilateral, o que o tornou bastante ligado a causa da reabilitação auditiva. Aliás, essa é uma coisa que temos em comum: Paula Pfeifer, minha esposa, também tem dois ouvidos biônicos.

Vinton moderou a mesa com mais três participantes: David Pisoni, um dos mais respeitados pesquisadores em ciências da comunicação humana, Dr. Fan-Gang Zeng, otorrinolaringologista e pesquisador, responsável pelo desenvolvimento do implante coclear Nurotron e Blake Wilson, multi-premiado engenheiro, com mais de 30 anos dedicados ao desenvolvimento da moderna estratégia de processamento dos implantes cocleares.

O tema da sessão batizada de Synergy deveria ser de Restauração Auditiva e Neurociência, mas o que se viu foi a síntese de um fenômeno que vai se desenhando na moderna reabilitação auditiva e que poderíamos chamar de Abordagem Integral da Surdez.

O implante coclear é uma ferramenta fantástica e sua natureza biônica o torna algo de grande interesse, seja para os profissionais envolvidos, seja para pacientes e familiares ou mesmo para a imprensa e sociedade em geral. Essa característica “midiática” acaba por ofuscar outros objetivos e estratégias mais simples, mas igualmente importantes, no trabalho da reabilitação auditiva. Organizo parte desses temas e estratégias nos tópicos abaixo.

O Cérebro

Pesquisas em neurolinguística e plasticidade cerebral, em grande parte amparadas em incríveis métodos capazes de visualizar imagens do cérebro em funcionamento, caminham em velocidade crescente. É assim que nossa complexa e inter-conectada “caixa preta” vai sendo cada vez mais explorada e desvendada. A cada incursão, os exploradores da mente humana retornam com conceitos que afetam diretamente a maneira que enxergamos o processamento da linguagem.

O palestrante Prof. Pisani foi um dos criadores do conceito de “Hearing Brain” (cérebro que escuta). A importância do conceito de que a audição está envolvida num processo linguístico com bases neurológicas, para muito além das vibrações sonoras do tímpano, é hoje disseminada dentre os otorrinolaringologistas, audiologistas e terapeutas que lidam com a surdez. Esses conceitos têm um grande impacto na prática clínica diária, fazendo que a mera adaptação de um aparelho auditivo ou mesmo a implantação de um dispositivo biônico na cóclea, nem de longe supram as complexas necessidades dos portadores de uma perda auditiva.

Como anda a capacidade cognitiva do paciente em questão? De que maneira a qualidade de sua linguagem, no seu sentido mais amplo, afetará o resultado do seu tratamento? Que medidas e métodos podem ser aplicados para avaliar todas as atividades cerebrais envolvidas na boa comunicação, além de “medir a audição”? Qual a melhor maneira de um cérebro, tendo suas funções já afetadas pela surdez, ser estimulado?

Essas e outras perguntas ganharam atenção da comunidade científica envolvida e já vêm mudando bastante a maneira como atuamos. Exemplo disso é a ênfase que damos hoje à avaliação do processamento auditivo central e ao treinamento auditivo, essa última como uma espécie de “ginástica auditiva e linguística”.

Tecnologias Assistivas

A evolução tecnológica é uma das bases da sociedade contemporânea e sua velocidade é crescente em todas as áreas. Nesse ponto informática, telecomunicações, cyber-espaço e a medicina vão se interligando de maneira inédita, obrigando todos os envolvidos à empreenderem uma mudança de mentalidade que pode ser dura para alguns.

Se antes o uso de computadores no trabalho por médicos e demais profissionais da saúde podia ser considerado “opcional”, hoje já não se pode mais trabalhar sem eles. Assim como aparelhos auditivos e implantes cocleares surgem e ganham novas capacidades a cada dia, surgem também outros dispositivos, que mesmo tendo menor complexidade tecnológica, podem ter um impacto fenomenal no tratamento de muitos deficientes auditivos. Conhecê-los é obrigação de todos nós ligados à reabilitação auditiva, pois a eles cabe o papel de orientar seus pacientes sobre as melhores maneiras de se integrarem ao ambiente em que vivem.

Assim não podemos ignorar por exemplo o papel dos dispositivos sem fio em ambientes como salas de aula, reuniões, restaurantes e demais ambientes ruidosos. Esses equipamentos, quando conectados a implantes cocleares ou aparelhos auditivos, podem fazer uma diferença extraordinária na capacidade dos pacientes entenderem o que lhes é dito, aumentando o volume da voz e abafando o barulho circundante. Chamamos isso de modulação da relação sinal-ruído.

Igualmente positivo é o uso dessas tecnologias para conversas telefônicas ou para ouvir TV e música. Numa linha de equipamentos mais simples, mas não menos importantes, devemos conhecer despertadores vibratórios, alarmes de incêndio com estímulos visuais, aplicativos móveis para treinamento auditivo ou controle de AASI e implantes, bem como aparelhos telefônicos fixos e celulares com capacidade de transmissão sem fio.

A lista não pára por aí e nem de crescer. A cada ano, a indústria aparece com novas soluções.

Grupos de Suporte e Mídias Sociais

Consultas médicas e fonoaudiológicas têm duração limitada. A anamnese direcionada, o exame físico, os testes auditivos e a análise dos demais exames complementares tomam um tempo grande. Também leva tempo explicar a pacientes e familiares, o significado de cada exame, os prós e os contras de cada estratégica proposta.

Assim, mesmo para profissionais mais especializados e atenciosos, fica muito difícil abordar nos encontros pessoais todas as nuances envolvidas na vida prática dos pacientes que sofrem com a surdez.

É aí que comunidades online, blogs/sites e instituições formadas por pais e pacientes prestam um serviço inestimável. Aliás, recomendo fortemente o GRUPO SURDOS QUE OUVEM no Facebook, com mais de 18.000 membros que são pessoas com deficiência auditiva usuárias de tecnologias auditivas.

Entretanto, além de estarem agindo com justificável interesse próprio ou dos seus familiares, é justamente nesses fóruns onde se pode encontrar a vida real. É ali que pessoas com problemas semelhantes expõem suas angústias e vitórias de cada dia, inspirando, espalhando e multiplicando forças. Minha opinião é que devemos estimular os pacientes a participarem desses espaços, deixando bem claro que não nos julgamos detentores de toda a verdade, produzindo um efeito sinérgico benéfico na reabilitação do paciente.

O Ambiente

Do ponto de vista arquitetônico, em termos de planejamento de ambientes acústicos, o Brasil está um pouco depois da idade da pedra. É uma tarefa árdua encontrar em nosso país ambientes de trabalho, escolas e demais estabelecimentos, públicos ou privados, que levaram a sério o planejamento acústico em sua arquitetura, mobiliário, equipamentos de conectividade, etc.

No que se refere ao ambiente domiciliar, pais, irmãos, professores, cônjuges, amigos e colegas de trabalho podem e devem ser educados. Por melhor que sejam os aparelhos e implantes, a qualidade da fala dos interlocutores e a maneira que eles se expressam pode ser a diferença entre uma comunicação efetiva ou perdida, entre um encontro positivo e a frustração.

Se esse papel de orientação não for também da equipe que assiste o paciente, de quem ele será?

Assim, volto a conclusão que para mim resume o simpósio da ACI terminado ontem aqui em Washington.

Enquanto sempre caberá à indústria a busca pelo aprimoramento tecnológico dos seus dispositivos, cabe a nós médicos, audiologistas e terapeutas, como bem disse Zeng, “broaden the scope” (ampliar nosso foco), dentro da reabilitação auditiva.

Essa ampliação passa por avaliarmos – e sobretudo atuarmos – mais globalmente a realidade de cada paciente, suas condições socioeconômicas, culturais, familiares e cognitivas.

Por fim, ampliar o foco também significa pararmos de olhar fixamente apenas para o bom ou mau funcionamento do aparelhos e implantes, enxergando sua união com o cérebro como um sistema que por sua vez se insere em sistemas maiores mais complexos, como o familiar, escolar, profissional e comunitário.

E por último…

PS. Peças que se encaixam… Descobri que outra motivação desse post já estava aqui em minha mente mesmo antes da palestra e vem de uma passagem do segundo livro da Paula Pfeifer,  Novas Crônicas da Surdez, quando ela diz:

“Por trás de todo e qualquer caso de surdez há um ser humano, uma dinâmica familiar e uma condição socioeconômica. Pais envolvidos ou não com o desenvolvimento cognitivo do filho, um otorrinolaringologista, uma fonoaudióloga, o grau e tipo da perda. O acesso fácil ou difícil a centros de reabilitação ou à comunidade surda, uma escola, professores. E o desenvolvimento propriamente dito da criança ou adulto com deficiência auditiva.”

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