- Gabriel tem 3 anos. Sua surdez foi diagnosticada com poucos meses de vida graças a suspeita levantada pelo teste da orelhinha e depois confirmada pelos demais exames. Seus pais resistiram à iniciar o uso de aparelhos auditivos, seguindo opiniões de alguns “amigos”. Mais tarde, depois de ficar claro as dificuldades decorrentes da surdez que o filho já enfrentava e ainda iria enfrentar, eles se convenceram e Gabriel acabou sendo submetido a um implante coclear. Os pais de Gabriel acabaram organizando pela internet um grupo de pais de crianças implantadas e hoje são defensores e difusores de informações sobre a moderna reabilitação auditiva.
- A senhora Beatriz começou a perder a audição depois dos 60 anos. No começo ela só tinha dificuldades para conversar em ambientes barulhentos e de ouvir a TV no mesmo volume que o marido. A primeira audiometria foi realizada depois de alguns anos, por insistência da família. Diante do constatação de uma surdez moderada bilateral, ela seguiu negando o diagnóstico e repelindo a indicação para usar aparelhos auditivos. Seu argumento era que eles eram caros demais. Sua resistência foi finalmente quebrada 10 anos após o diagnóstico, quando ela leu numa revista a entrevista de uma atriz que ela admirava, relatando com naturalidade que usava aparelhos auditivos desde a juventude.
- A surdez de Natália, de origem genética, apareceu no inicio da adolescência. O choque que ela teve com a notícia só não foi maior do que o pânico de assumir sua condição e usar aparelhos auditivos na escola, perto dos amigos e com o namorado. Entretanto sua surdez progrediu muito rápido e ela chegou num ponto em que não podia mais fingir que não era com ela. Para Natália, a “virada” aconteceu numa madrugada diante do computador, ao cair no blog Crônicas da Surdez e conhecer a história da Paula. Depois de navegar bastante pelo blog e devorar o livro, ela mudou de postura, foi submetida a um implante coclear, hoje se orgulha dele e vai feliz e confiante para a faculdade.
Três personagens, uma realidade: A surdez está saindo do armário!
Se pensarmos nos avanços tecnológicos e científicos, as últimas 2 décadas e meia valeram por mais de um século para o tratamento da surdez. Aparelhos auditivos digitais, audição biônica através do implante coclear, maior compreensão do papel cerebral no processamento auditivo que gerou novas técnicas de treinamento auditivo, conectividade dos aparelhos e implantes com outros dispositivos eletrônicos por tecnologia sem fio… Enfim, é muita novidade.
A reabilitação auditiva atual é baseada em 3 pilares. 1- Tratar o paciente com a tecnologia mais adequada ao seu caso (aparelho ou implante), e em seguida treiná-lo a ouvir melhor através de terapia fonoaudiológica de estimulação e treinamento auditivo. 2 – Adequar os ambientes nos quais acontecem a necessidade de compreender bem os sons e a fala (casa, escola, trabalho, restaurantes), com um planejamento acústico adequado, com uso eventual de dispositivos de transmissão sonora sem fio como o FM e outras tecnologias. 3 – Educar os interlocutores (familiares, cônjuges, colegas de trabalho, professores) para a melhor maneira de se comunicar, deixando claro que aparelhos auditivos e implantes cocleares, com toda sua tecnologia, não resolvem todo o problema. Falar de forma clara e direta ajuda muito na compreensão. Assim, nunca haverá a reabilitação auditiva ideal enquanto as outras pessoas também não estiverem comprometidas com ela. E como as pessoas podem se comprometer com algo que lhes é escondido?
E é aí que um fator menos científico também vai revolucionando o tratamento da surdez e essa revolução tem a ver com aceitação. Aos poucos a mentalidade de se esconder a surdez (e também os aparelhos auditivos) vai se tornando uma coisa velha. Isso pode até ser compreensível para pacientes que acabam de descobrir sua deficiência, mas para muitos outras pessoas e para nós, profissionais da reabilitação auditiva, isso hoje não faz mais o menor sentido.
Essa mudança de postura pode ser considerada uma revolução. E essa revolução é muito bem descrita pela americana Pat Dobbs no site Hearing Loss Revolution (A revolução da surdez). Abaixo seguem as palavras dela na abertura do seu site (tradução livre):
“Como seria se nós declarássemos uma revolução na maneira que vemos a surdez e entendêssemos de uma vez por todas que a nossa audição não nos define negativamente?
Como seria se nós abandonássemos de verdade a ideia de que a surdez nos faz burros ou desconectados do mundo?
Como seria se, ao invés de procurarmos os menores aparelhos auditivos que existem, nós orgulhosamente os exibíssemos enfeitados como jóias?
Imagine um mundo onde os aparelhos auditivos fossem acessíveis a todos e todos os locais públicos fossem equipados com dispositivos que facilitassem a acessibilidade dos que os usam. A surdez terá perdido seu estigma.
Nós podemos fazer isso acontecer mudando nossas atitudes.
A revolução deve começar em nós!“
Luciano Moreira – Otorrinolaringologia
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2 comments
Adorei este seu assunto…..mas, na verdade eu assumi mesmo minha perda auditiva somente agora nesta minha fase da vida. Agora que já vivi mais da metade dela, agora que já me aposentei no serviço público, agora que vejo como as pessoas com quem converso sempre tem um caso de perda auditiva que já viram e ouviram falar. Agora, ficou mais fácil para enfrentar aquele bicho papão que eu mesma incuti na minha mente e que achava que as pessoas iriam rir de mim caso eu não as entendesse. Depois que fui diagnosticada com perda profunda bilateral eu já estava com 54 anos e em poucos meses pude fazer implante coclear. O primeiro IC fiz em outubro do ano passado e agora no mês de agosto fiz o segundo IC. Estou ótima convivendo com esta necessidade mas que considero fantástica tecnologia que vem de encontro com todas as nossas perdas não só auditiva mas também com as da “vergonha de ter deficiência auditiva”.
Minha surdez de um ouvido me priva de muitas coisas e me deixa em apuros no trabalho