A perda auditiva é uma condição que afeta milhões de pessoas no Brasil e no mundo. Como otorrinolaringologista especializado em surdez e cirurgias da audição com mais de duas décadas de experiência, vejo diariamente o impacto que a surdez pode ter na qualidade de vida. As pessoas com perda auditiva enfrentam desafios que vão muito além da dificuldade de ouvir: isolamento social, frustração, vergonha e até mesmo problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. Neste artigo, vou explicar por que conversar com pessoas que usam aparelho auditivo pode transformar sua jornada com a surdez e como o Clube dos Surdos Que Ouvem pode ser um aliado poderoso nesse processo.
A importância de se conectar com pessoas que usam aparelho auditivo
Uma das maiores lições que aprendi ao longo dos anos, tanto como médico quanto como alguém que convive de perto com a surdez (sou casado com Paula Pfeifer, autora do Crônicas da Surdez e usuária de implantes cocleares), é que ninguém entende melhor os desafios da perda auditiva do que quem vive essa realidade. Conversar com pessoas que usam aparelho auditivo ou implante coclear pode trazer benefícios que vão além do consultório médico:
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Troca de experiências: Cada pessoa com surdez tem uma história única, mas há desafios comuns, como escolher o aparelho auditivo certo, lidar com o período de adaptação ou enfrentar o estigma social. Ouvir relatos de quem já passou por isso ajuda a normalizar a experiência e a encontrar soluções práticas.
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Apoio emocional: A jornada com a surdez pode ser solitária, especialmente quando familiares ou amigos não compreendem a gravidade da situação. Conectar-se com outras pessoas que enfrentam os mesmos desafios cria um senso de pertencimento e reduz o isolamento.
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Dicas práticas: Quem usa aparelho auditivo há mais tempo pode compartilhar dicas valiosas, como os melhores modelos de aparelhos, cuidados com manutenção, aplicativos de acessibilidade ou até mesmo estratégias para melhorar a comunicação em ambientes ruidosos.
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Inspiração e motivação: Ver histórias de sucesso, como pessoas que retomaram sua qualidade de vida com aparelhos auditivos ou implantes cocleares, pode incentivar quem está no início da jornada a buscar tratamento e persistir na reabilitação auditiva.
O Clube dos Surdos Que Ouvem: uma comunidade transformadora
Uma das iniciativas mais inspiradoras que conheço é o Clube dos Surdos Que Ouvem, liderado por Paula Pfeifer. Com mais de 21.700 membros, essa é a maior comunidade digital do Brasil para pessoas com perda auditiva que usam aparelhos auditivos ou implantes cocleares. O Clube é um espaço seguro onde você pode:
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Conectar-se com milhares de pessoas: No Clube, você encontra pessoas de todas as idades, com diferentes tipos e graus de surdez, prontas para compartilhar suas experiências e oferecer apoio. Há grupos de apoio para surdos e pessoas com zumbido no ouvido no WhatsApp e Facebook, incluindo um grupo exclusivo para pais de crianças com perda auditiva.
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Obter indicações confiáveis: Muitos pacientes chegam ao consultório frustrados por terem recebido diagnósticos errados ou tratamentos inadequados. No Clube, você pode pedir indicações de otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos especializados em surdez, com base na experiência de outros membros.
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Aprender sobre seus direitos: O Clube oferece informações sobre como obter aparelhos auditivos pelo SUS, tirar o RG de PCD (Pessoa com Deficiência) e acessar outros benefícios garantidos por lei para pessoas com deficiência auditiva.
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Descobrir ferramentas de acessibilidade: Os membros compartilham dicas sobre aplicativos para surdos, como o ZAPIA e o MVM, que transcrevem áudios do WhatsApp, além de outras tecnologias que facilitam o dia a dia.
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Economizar na compra de aparelhos auditivos: Paula Pfeifer criou um curso online com dicas práticas para evitar erros comuns na compra de aparelhos auditivos, ajudando você a economizar tempo, dinheiro e energia.
As dores de quem vive com perda auditiva
A surdez é frequentemente chamada de “deficiência invisível”. Diferentemente de outras condições, ela não é imediatamente perceptível para os outros, o que pode tornar a experiência ainda mais desafiadora. Muitos pacientes relatam que, no início, nem mesmo eles percebiam a gravidade da perda auditiva. Frases como “Eu escuto, mas não entendo” ou “As pessoas falam baixo demais” são comuns, especialmente em casos de perda auditiva leve ou moderada, onde a pessoa ouve detecta sons, mas tem dificuldade em compreender a fala, principalmente em ambientes ruidosos.
Essas dificuldades trazem uma série de dores emocionais e práticas:
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Isolamento social: A dificuldade em acompanhar conversas em grupos, como reuniões familiares ou encontros com amigos, pode levar a pessoa a evitar essas situações. O isolamento é um dos maiores prejuízos da perda auditiva não tratada, podendo contribuir para a solidão e até para o risco de demência em idosos.
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Frustração e mal-entendidos: A perda de detalhes na fala, como consoantes de alta frequência (por exemplo, o “f” em “faca”), pode fazer com que a pessoa entenda algo errado, gerando confusões e irritação. Isso é especialmente comum em perdas auditivas que afetam os sons agudos.
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Vergonha e estigma: Muitas pessoas demoram a procurar ajuda por medo de admitir que têm dificuldade para ouvir. A sociedade, por vezes, reforça a ideia de que a surdez é algo constrangedor, o que impede o diagnóstico precoce e o tratamento adequado.
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Impacto profissional: No ambiente de trabalho, a perda auditiva pode dificultar a comunicação com colegas, clientes ou superiores, afetando a produtividade e a autoconfiança.
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Zumbido no ouvido e desconforto: Muitos pacientes com perda auditiva também sofrem com zumbido, um som incômodo no ouvido que pode ser agravado pelo estresse e pela falta de estímulos sonoros.
Como médico, acredito que a reabilitação auditiva vai muito além de usar um aparelho auditivo ou fazer uma cirurgia de implante coclear. Ela envolve compreender a própria condição, aceitar os desafios e buscar apoio para superá-los. O Clube dos Surdos Que Ouvem é um exemplo de como a conexão entre pessoas pode transformar vidas. Ele não substitui o acompanhamento médico ou fonoaudiológico, mas complementa o tratamento ao oferecer uma rede de apoio emocional e prático no dia-a-dia de quem convive com a surdez.
Se você ou alguém próximo está enfrentando os desafios da perda auditiva, saiba que você não precisa passar por isso sozinho. Conversar com pessoas que usam aparelho auditivo pode ser o primeiro passo para transformar sua experiência com a surdez. A surdez não precisa ser um caminho solitário. Com o apoio certo, você pode retomar sua qualidade de vida, reconectar-se com o mundo dos sons e viver com mais autonomia e segurança.