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A SURDEZ GENETICA explicada pelo Dr. Luciano Moreira

A surdez genética é definida como a perda auditiva ocasionada por alterações no material genético de um indivíduo. Constitui um dos defeitos sensoriais mais prevalentes, acometendo uma parcela considerável de crianças em todo o mundo. A perda auditiva, independentemente de sua etiologia, pode exercer um impacto profundo e multifacetado no desenvolvimento da linguagem, nas capacidades cognitivas, no bem-estar psicossocial e, consequentemente, na qualidade de vida global do indivíduo. É fundamental compreender que a perda auditiva não é meramente um sintoma isolado, mas frequentemente a manifestação de uma alteração patológica subjacente, sendo as causas genéticas cada vez mais reconhecidas como protagonistas nesse cenário.  

A identificação da causa genética da surdez transcende o simples rótulo diagnóstico. Para muitas famílias, ela representa o término de uma “jornada diagnóstica” que pode ser longa, dispendiosa e emocionalmente desgastante. A ausência de uma etiologia clara para a perda auditiva de uma criança frequentemente gera um estado de ansiedade e incerteza parental significativo. Nesse contexto, o diagnóstico genético oferece não apenas uma explicação, mas também um alicerce para um direcionamento terapêutico mais assertivo e, crucialmente, para um aconselhamento genético familiar preciso, permitindo um planejamento reprodutivo informado e a identificação de outros membros da família em risco.

O impacto psicossocial da surdez genética, portanto, inicia-se muito antes da confirmação laboratorial, permeando as primeiras suspeitas e a subsequente busca por respostas. O diagnóstico etiológico, ao fornecer clareza, pode aliviar parte considerável dessa carga emocional, delineando um caminho mais claro para o manejo e suporte.  

O Dr. Luciano Moreira atende casos de surdez do mundo inteiro via Telemedicina. Para marcar a sua consulta, clique AQUI.

SURDEZ GENÉTICA: Incidência e prevalência (global e no Brasil)

Globalmente, estima-se que a perda auditiva afete aproximadamente 1 em cada 500 recém-nascidos , e cerca de 50% dos casos de perda auditiva congênita possuem uma base mendeliana. Em nações desenvolvidas, os fatores genéticos são responsáveis por mais da metade dos casos de surdez na infância. Um dado de particular relevância indica que 80% da perda auditiva que ocorre antes da aquisição da fala (pré-lingual) é atribuída a causas genéticas.  Segundo a OMS, há mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo com algum grau de perda auditiva, de acordo com o Relatório Mundial da Audição (2021).

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que há mais de 10 milhões de brasileiros com algum grau de surdez. Destes, apenas 2,3 milhões de enquadram nos critérios que a lei brasileira considera deficiência auditiva.

Uma observação relevante para o contexto brasileiro é a afirmação de que, historicamente, tem havido uma maior predominância de causas não genéticas (como infecções congênitas, complicações perinatais e otites) em comparação com países desenvolvidos. Contudo, este cenário está em transformação. Com a progressiva melhoria dos indicadores de saúde materno-infantil e a consequente redução da incidência de causas adquiridas de surdez, espera-se que a proporção relativa dos casos de origem genética aumente significativamente. Um estudo realizado em Jundiaí, São Paulo, com neonatos identificados através de um programa de triagem auditiva neonatal universal, ilustra essa tendência: dos casos de perda auditiva com origem pré-natal, 36,4% tiveram etiologia genética confirmada, e outros 36,4% foram classificados como presumivelmente hereditários.  

A variabilidade nos dados de prevalência geral de surdez no Brasil e a tradicional percepção de que causas não genéticas ainda predominam , quando contrastadas com a elevada proporção de surdez pré-lingual de origem genética observada em países com sistemas de saúde mais estruturados para o diagnóstico genético , levantam uma importante questão: a possibilidade de um subdiagnóstico significativo das causas genéticas da surdez em nosso meio.

À medida que o Brasil avança na transição epidemiológica, com a redução das causas ambientais e infecciosas de perda auditiva, a importância relativa da surdez genética se tornará ainda mais proeminente. Este fenômeno impõe uma necessidade premente de aprimorar a capacidade diagnóstica para a surdez genética no país, o que inclui não apenas a expansão do acesso a testes genéticos específicos e abrangentes, mas também a capacitação contínua dos profissionais de saúde para o reconhecimento, investigação e manejo adequado desses casos.  

Classificação: Surdez Sindrômica vs. Não Sindrômica e padrões de herança

A surdez genética é classicamente dividida em duas grandes categorias, com base na presença ou ausência de outros achados clínicos associados:

  • Surdez Não Sindrômica: Caracteriza-se pela perda auditiva como manifestação principal ou única, não estando associada a outras anomalias médicas visíveis do ouvido externo ou a achados sistêmicos relevantes. No entanto, é importante notar que podem existir anormalidades concomitantes do ouvido médio e/ou interno. Esta forma corresponde a aproximadamente 70% de todos os casos de surdez genética pré-lingual.  
  • Surdez Sindrômica: Nesta categoria, a perda auditiva ocorre como parte de um conjunto de sinais e sintomas que afetam outros órgãos ou sistemas do corpo. Pode estar associada a malformações da orelha externa, dismorfismos faciais, ou envolvimento de sistemas como o visual, renal, cardíaco, endócrino, neurológico, entre outros. Representa cerca de 20% a 30% dos casos de surdez genética pré-lingual. Um dado clinicamente relevante é que aproximadamente 20% das crianças inicialmente diagnosticadas com perda auditiva aparentemente não sindrômica podem, com o tempo e acompanhamento, revelar características que levam a um diagnóstico de surdez sindrômica.  

A surdez genética pode ser herdada segundo diferentes padrões, cujo conhecimento é a base para o aconselhamento genético:

  • Autossômica Recessiva (AR): É o padrão de herança mais frequente na surdez não sindrômica pré-lingual, respondendo por cerca de 75% a 80% desses casos. Neste padrão, para que a perda auditiva se manifeste, o indivíduo precisa herdar duas cópias alteradas (mutadas) de um gene específico, uma de cada genitor, que são tipicamente portadores assintomáticos da alteração.  
  • Autossômica Dominante (AD): Este padrão é responsável por aproximadamente 15% a 19% dos casos de surdez não sindrômica pré-lingual, sendo mais comum em formas de surdez de início mais tardio (pós-lingual). Apenas uma cópia alterada do gene é suficiente para causar a perda auditiva, e geralmente um dos genitores também é afetado.  
  • Ligada ao Cromossomo X (XL): É um padrão menos comum na surdez não sindrômica, contribuindo com menos de 1% a 2-3% dos casos. O gene alterado localiza-se no cromossomo X. Homens (XY) que herdam a alteração geralmente manifestam a condição, enquanto mulheres (XX) portadoras podem ter manifestações variáveis ou nenhuma.  
  • Mitocondrial: A perda auditiva associada a alterações no DNA mitocondrial é herdada exclusivamente da mãe, pois as mitocôndrias do zigoto são de origem materna. A maioria dos casos de surdez mitocondrial é sindrômica e representa cerca de 1% a 2% de toda a surdez genética.  

A distinção inicial entre surdez sindrômica e não sindrômica é um passo fundamental no planejamento da investigação diagnóstica e do manejo subsequente. Contudo, a observação de que uma proporção considerável de casos inicialmente classificados como não sindrômicos pode, com o evoluir do tempo e o surgimento de novos achados, ser reclassificada como sindrômica possui implicações clínicas profundas. Isso significa que a avaliação no momento do diagnóstico da perda auditiva pode não ser definitiva. Sinais e sintomas sutis de uma síndrome subjacente podem não estar presentes ou não serem reconhecidos precocemente, emergindo apenas em fases posteriores do desenvolvimento.  

Esta dinâmica da classificação ressalta a importância crítica do acompanhamento longitudinal e da reavaliação periódica dos pacientes. A ausência de outros achados clínicos no momento do diagnóstico inicial da perda auditiva não deve, de forma alguma, excluir a possibilidade de uma forma sindrômica de surdez. Esta consideração é especialmente válida em casos onde a etiologia genética específica não foi identificada ou quando os achados genéticos são de significado incerto.

Um diagnóstico tardio de uma condição sindrômica pode resultar no atraso de intervenções essenciais para o manejo de comorbidades associadas, como problemas cardíacos, renais, visuais ou endócrinos, impactando negativamente o prognóstico global e a qualidade de vida do paciente. Portanto, uma abordagem clínica prudente envolve não apenas a investigação completa no momento da apresentação, mas também um plano de monitoramento vigilante, com atenção para o possível desenvolvimento de características extra-auditivas ao longo do tempo.

As bases moleculares da surdez genética

A base molecular da surdez genética é extraordinariamente heterogênea. Atualmente, mais de 125 genes foram identificados como associados à surdez não sindrômica , e o número total de genes implicados em todas as formas de surdez genética ultrapassa 150. A base de dados Online Mendelian Inheritance in Man (OMIM) cataloga 665 entradas distintas para formas sindrômicas de perda auditiva. Essa vasta diversidade genética sublinha a complexidade do diagnóstico molecular.  

Principais genes e mutações implicados

Dentre os inúmeros genes envolvidos, alguns se destacam pela maior frequência e relevância clínica:

  • Gene GJB2 (Gap Junction Protein Beta 2, Conexina 26): Este gene, localizado no cromossomo 13, codifica a proteína Conexina 26, essencial para a função das junções comunicantes nas células de suporte da cóclea, que regulam a homeostase iônica, particularmente do potássio. Mutações no GJB2 são a causa mais comum de surdez neurossensorial não sindrômica de herança autossômica recessiva em diversas populações. Estima-se que sejam responsáveis por até 50% desses casos em certas populações e por cerca de 80% de todos os casos de surdez com padrão de herança recessivo.  
  • Mutação c.35delG no GJB2: Consiste na deleção de uma única guanina na posição 35 da sequência codificadora do gene. Esta é, de longe, a mutação mais frequentemente encontrada em pacientes com surdez hereditária não sindrômica de herança recessiva. Corresponde a uma grande proporção, entre 70% a 80%, de todas as mutações identificadas no gene GJB2.  
  • Gene GJB6 (Gap Junction Protein Beta 6, Conexina 30): Localizado próximo ao GJB2, este gene codifica a Conexina 30, outra proteína de junção comunicante. Mutações no GJB6, particularmente grandes deleções como a GJB6-D13S1830 e a GJB6-D13S1854, podem causar surdez, frequentemente em heterozigose composta com uma mutação no GJB2 (digênica).  
  • Gene SLC26A4 (Solute Carrier Family 26 Member 4, Pendrina): Este gene codifica a pendrina, uma proteína transportadora de ânions (cloreto, iodeto, bicarbonato) expressa no ouvido interno, tireoide e rins. Mutações bialélicas no SLC26A4 são responsáveis pela Síndrome de Pendred, caracterizada por surdez neurossensorial, disfunção tireoidiana (bócio) e, frequentemente, malformações da orelha interna, como o Aqueduto Vestibular Alargado (AVA). Mutações neste gene também podem causar surdez não sindrômica (referida como DFNB4), tipicamente associada ao AVA, sem o componente tireoidiano da síndrome de Pendred. O SLC26A4 é considerado a segunda causa mais frequente de surdez autossômica recessiva não sindrômica.  
  • Gene OTOF (Otoferlina): Codifica a otoferlina, uma proteína crucial para a exocitose de vesículas sinápticas nas células ciliadas internas da cóclea, processo fundamental para a transmissão do sinal auditivo ao nervo. Mutações no OTOF causam a DFNB9, uma forma de surdez neurossensorial pré-lingual, geralmente profunda, que frequentemente se manifesta com o fenótipo de Transtorno do Espectro da Neuropatia Auditiva (TENA), onde as emissões otoacústicas (indicativas de função normal das células ciliadas externas) podem estar presentes, mas os potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (que avaliam a via auditiva neural) estão ausentes ou severamente alterados.  
  • Outros genes relevantes: A lista de genes implicados na surdez é extensa e continua crescendo. Alguns exemplos adicionais incluem: 
    • MYO7A (Miosina VIIA): Associado à Síndrome de Usher tipo 1B (surdez profunda congênita, disfunção vestibular e retinose pigmentar) e à forma não sindrômica DFNB2.  
    • TECTA (Tectorina Alfa): Implicado em formas autossômicas dominantes (DFNA8/12) e recessivas (DFNB21) de surdez não sindrômica.  
    • MYO15A (Miosina XVA): Causa a DFNB3, uma forma de surdez não sindrômica recessiva.  
    • CDH23 (Caderina 23): Mutações causam Síndrome de Usher tipo 1D e surdez não sindrômica DFNB12.  
    • TMC1 (Transmembrane Channel Like 1): Associado a formas dominantes (DFNA36) e recessivas (DFNB7/11) de surdez não sindrômica.  
    • KCNQ4: Responsável pela DFNA2, uma forma de surdez não sindrômica dominante progressiva.  
    • WFS1 (Wolframina): Mutações causam a Síndrome de Wolfram (DIDMOAD – Diabetes Insipidus, Diabetes Mellitus, Atrofia Óptica e Surdez) e também formas não sindrômicas de surdez de baixa frequência (DFNA6/14/38).  
    • POU3F4: Gene implicado na surdez ligada ao X (DFNX2) com fixação do estribo e malformações da orelha interna.  
    • MITF (Microphthalmia-associated Transcription Factor): Associado à Síndrome de Waardenburg tipo 2 e Tietz.  
    • Mutações Mitocondriais: Alterações no DNA mitocondrial também são causas reconhecidas de surdez. A mutação m.1555A>G no gene MT-RNR1 (que codifica o RNA ribossômico 12S) é particularmente notável por conferir suscetibilidade à perda auditiva induzida por antibióticos aminoglicosídeos, mesmo após exposições curtas ou em doses baixas, além de poder causar surdez não sindrômica isolada.  

A imensa heterogeneidade genética da surdez torna o diagnóstico molecular um desafio. Embora o foco inicial na investigação das mutações mais comuns nos genes GJB2 e GJB6 seja justificado pela sua prevalência em muitas populações, a ausência de alterações nesses genes não exclui uma etiologia genética. A introdução e crescente acessibilidade das tecnologias de Sequenciamento de Nova Geração (NGS), que permitem a análise simultânea de múltiplos (dezenas a centenas) de genes em painéis ou mesmo o sequenciamento de todo o exoma (WES) ou genoma (WGS), estão revolucionando a capacidade de identificar a causa genética em um número cada vez maior de pacientes.

Frequência de mutações na população brasileira

A caracterização da frequência de mutações genéticas causadoras de surdez na população brasileira é um campo de pesquisa ativo e de fundamental importância para a prática clínica no país. Dada a vasta extensão territorial e a complexa miscigenação étnica que compõe o Brasil, espera-se uma diversidade no perfil mutacional regional.

A mutação c.35delG no gene GJB2 é consistentemente relatada como uma das mais comuns também no Brasil. Um estudo pioneiro realizado em Campinas, São Paulo, com recém-nascidos, encontrou uma prevalência de portadores (heterozigotos) da mutação 35delG de 0,97%, o que corresponde a aproximadamente 1 em cada 103 indivíduos. Outra pesquisa de abrangência nacional, envolvendo famílias com surdez neurossensorial não sindrômica, identificou mutações no gene GJB2 em 22% delas, sendo a variante 35delG responsável por uma expressiva parcela de 84,2% dos alelos mutados encontrados nesse gene. Um estudo de rastreamento mais amplo, que incluiu recém-nascidos de dez cidades localizadas em diferentes regiões do Brasil, detectou a mutação 35delG em 1,35% dos participantes (aproximadamente 1 em cada 74 indivíduos). Em uma coorte específica de crianças candidatas ao implante coclear no Brasil, a homozigose para a mutação 35delG foi identificada em 12% dos casos, sendo considerada a causa direta da surdez.  

A frequência de heterozigotos para a 35delG observada em um estudo com recém-nascidos em uma cidade do interior de São Paulo foi de aproximadamente 1:100. Este valor, embora significativo, é um pouco inferior ao observado em algumas populações europeias, como na Itália (1:32), Portugal (1:40) e Espanha (1:45). Acredita-se que a considerável ancestralidade europeia (particularmente ibérica e italiana) na população brasileira contribua para a alta frequência desta mutação específica em nosso meio.  

Um estudo realizado em Jundiaí (SP) com neonatos que falharam na triagem auditiva neonatal e tiveram diagnóstico de perda auditiva de origem pré-natal, demonstrou que todos os casos com etiologia genética confirmada apresentavam a mutação 35delG em homozigose. Essa perda auditiva era tipicamente de grau severo a profundo. Os autores sugeriram que a alta frequência da mutação nessa coorte específica poderia estar relacionada à forte influência da descendência italiana na composição étnica daquela população local. Este achado reforça não apenas a importância da mutação 35delG, mas também como a composição étnica de uma determinada região pode influenciar a prevalência de mutações específicas.  

Uma revisão integrativa da literatura, ao analisar estudos sobre a etiologia da deficiência auditiva, apontou que, embora no Brasil ainda se observe uma maior predominância de causas não genéticas em comparação com países desenvolvidos, os fatores genéticos são de relevância inquestionável. A mesma revisão citou um estudo internacional que demonstrou uma maior associação do gene GJB2 com surdez em indivíduos caucasianos e hispânicos, não encontrando diagnósticos relacionados a este gene em pacientes afro-americanos. Esta observação sobre a variabilidade étnica na prevalência de mutações no GJB2 é um fator crucial a ser considerado na interpretação de testes genéticos e no planejamento de estratégias de triagem na população brasileira, dada sua diversidade.  

Apesar dos dados existentes, que majoritariamente se concentram na mutação 35delG do GJB2 e em estudos regionais ou de populações específicas (como a descendência italiana em Jundiaí ou os estudos focados na região de Campinas ), o Brasil ainda carece de um mapa genético mais abrangente e detalhado da surdez. A grande miscigenação étnica e as dimensões continentais do país sugerem que a prevalência de diferentes mutações, incluindo aquelas em outros genes além do GJB2, pode variar significativamente entre as diversas regiões e os múltiplos grupos populacionais que formam a nação. A própria revisão da literatura sobre a América Latina já sinaliza a existência de peculiaridades genéticas regionais que demandam estratégias de triagem e diagnóstico personalizadas para áreas geográficas específicas.  

Essa ausência de um panorama genético mais completo da surdez no Brasil representa um desafio considerável. Dificulta, por exemplo, a elaboração de painéis de NGS que sejam verdadeiramente custo-efetivos e otimizados para a nossa realidade populacional. Painéis genéricos, baseados em dados de outras populações, podem levar tanto à não identificação de mutações que são relativamente comuns em determinadas regiões brasileiras, quanto ao investimento desnecessário na investigação de genes que são raros em nosso contexto. Essa lacuna de conhecimento impacta diretamente o desenvolvimento de diretrizes nacionais robustas para a testagem genética, o planejamento eficaz de políticas de saúde pública voltadas para a surdez e a capacidade de oferecer um aconselhamento genético que seja preciso e culturalmente adaptado às diversas realidades do país. Torna-se, portanto, fundamental o fomento e o investimento em pesquisa científica para caracterizar de forma mais detalhada e abrangente o perfil mutacional da surdez genética nas distintas regiões e grupos étnicos do Brasil.

A tabela abaixo resume os principais genes e mutações associados à surdez genética, com foco naqueles de maior relevância e com dados disponíveis sobre sua frequência no Brasil.

Tabela 1: Principais genes e mutações na surdez genética e sua frequência estimada no Brasil

Gene Proteína Tipo de Herança Mutações Frequentes (Brasil em destaque) Prevalência Estimada no Brasil/Populações Específicas Fenótipo Auditivo Típico Referências Chave
GJB2 Conexina 26 AR (mais comum), AD (raro) c.35delG (muito frequente), c.167delT, c.235delC, V37I (c.109G>A), M34T c.35delG: Portadores heterozigotos: ~1:74 a 1:103 recém-nascidos. Homozigotos: 12% em crianças candidatas a IC. 22% das famílias com PANS não sindrômica têm mutações no GJB2. PANS bilateral, pré-lingual, não progressiva, de grau variável (leve a profunda). 35delG/35delG geralmente severa a profunda.
GJB6 Conexina 30 AR (frequentemente digênica com GJB2) Del(GJB6-D13S1830), Del(GJB6-D13S1854) Menos comum que GJB2. Pesquisada em heterozigotos para GJB2 sem segunda mutação. Semelhante ao GJB2, quando em combinação.
SLC26A4 Pendrina AR Variadas (missense, nonsense, splicing). L236P, T416P (Norte da Europa). Dados brasileiros limitados nos snippets. Desconhecida especificamente para o Brasil nos snippets, mas é a segunda causa mais comum de PANS AR globalmente. PANS bilateral, geralmente severa a profunda, frequentemente progressiva e/ou flutuante. Associada a Aqueduto Vestibular Alargado (AVA). Pode ser sindrômica (Pendred) ou não sindrômica (DFNB4).
OTOF Otoferlina AR Variadas. p.Gln829* (Q829X) descrita em algumas populações. Dados brasileiros limitados. Rara, mas importante causa de neuropatia auditiva. Frequência exata no Brasil não detalhada nos snippets. PANS pré-lingual, severa a profunda. Frequentemente com fenótipo de Transtorno do Espectro da Neuropatia Auditiva (TENA).
MT-RNR1 (DNA mitocondrial) RNA ribossômico 12S Mitocondrial m.1555A>G, m.A827G m.1555A>G: Prevalência exata no Brasil não detalhada, mas teste disponível. A827G observada em estudo de Jundiaí, mas papel incerto. PANS de grau variável, pode ser induzida/agravada por aminoglicosídeos (m.1555A>G).
USH2A Usina AR Variadas. Causa comum de Síndrome de Usher tipo 2. Frequência específica no Brasil não detalhada. PANS congênita, moderada a severa, associada a Retinose Pigmentar de início mais tardio.
MYO7A Miosina VIIA AR Variadas. Causa comum de Síndrome de Usher tipo 1B. Frequência específica no Brasil não detalhada. PANS congênita, profunda, associada a disfunção vestibular e Retinose Pigmentar de início precoce.

 

PANS: Perda Auditiva Neurossensorial; AR: Autossômica Recessiva; AD: Autossômica Dominante; IC: Implante Coclear.

Surdez Sindrômica: foco em manifestações sutis e sinais de alerta

A surdez sindrômica, na qual a perda auditiva coexiste com anomalias em outros órgãos ou sistemas, representa uma proporção significativa dos casos de surdez genética, estimada entre 20% e 30% da surdez pré-lingual de origem hereditária. A identificação de uma síndrome subjacente é de suma importância clínica, pois não apenas direciona a investigação genética e o aconselhamento, mas também alerta para a necessidade de avaliação e acompanhamento multidisciplinar, visando o manejo adequado das comorbidades que podem impactar a saúde global e a qualidade de vida do paciente. Em muitos casos, a perda auditiva pode ser a manifestação mais precoce ou evidente da síndrome, funcionando como um “sinal de alerta” para uma condição sistêmica subjacente. Outros achados podem ser sutis, não reconhecidos inicialmente, ou se desenvolverem apenas em fases posteriores da vida.  

A falha em considerar e investigar uma possível etiologia sindrômica em uma criança que se apresenta “apenas” com surdez pode levar à perda de uma janela de oportunidade crucial para o diagnóstico precoce de condições associadas que requerem manejo específico e, por vezes, urgente. Por exemplo, o diagnóstico tardio da Síndrome de Jervell e Lange-Nielsen pode ter consequências cardíacas fatais, enquanto a não identificação da Síndrome de Alport pode levar à progressão não monitorada da doença renal. Da mesma forma, o diagnóstico precoce da Síndrome de Usher é vital para o planejamento de suporte devido à dupla deficiência sensorial (auditiva e visual). Um estudo de caso familiar ilustrou como a perda auditiva hereditária pode se manifestar de forma sutil, com alguns indivíduos afetados não apresentando queixas auditivas evidentes, mas demonstrando perdas em altas frequências na audiometria, reforçando a necessidade de avaliação audiológica completa em familiares de indivíduos com surdez genética.  

O diagnóstico genético da surdez, ao identificar um gene classicamente associado a uma síndrome, mesmo que as outras características sindrômicas não sejam proeminentes no momento, desencadeia uma importante cascata de investigações e acompanhamentos multidisciplinares. Esse processo pode ser vital para a saúde e qualidade de vida global do paciente, estendendo-se muito além da questão auditiva isolada. Isso reforça a importância de uma anamnese detalhada e de um exame físico minucioso em toda criança com perda auditiva, buscando ativamente por sinais, mesmo que discretos, de possível envolvimento sistêmico.

A seguir, são apresentadas algumas das síndromes genéticas mais comuns que cursam com surdez, com ênfase em seus sinais de alerta, incluindo manifestações que podem ser sutis:

  • Síndrome de Usher (USH): Caracterizada pela combinação de Perda Auditiva Neurossensorial (PANS) e Retinose Pigmentar (RP), uma doença ocular degenerativa que leva à perda progressiva da visão.  
    • Tipos Principais e Genes Associados:
      • USH1: PANS congênita de grau profundo, disfunção vestibular severa (resultando em atraso no desenvolvimento motor e instabilidade) e RP com início na primeira década de vida. Genes incluem MYO7A, USH1C, CDH23, PCDH15, USH1G.  
      • USH2: PANS congênita de grau moderado a severo, função vestibular geralmente normal e RP com início mais tardio, tipicamente na adolescência ou início da idade adulta. O gene mais comum é o USH2A; outros incluem ADGRV1 (GPR98) e WHRN (DFNB31).  
      • USH3: PANS progressiva (audição pode ser normal ao nascimento), início variável da RP e função vestibular também variável. O gene principal é o CLRN1.  
    • Sinais de Alerta Sutis: Em crianças com USH1, o atraso para sentar ou andar e a instabilidade podem ser os primeiros sinais da disfunção vestibular. Na USH2, a cegueira noturna (nictalopia) pode ser o primeiro sintoma visual relatado, muitas vezes manifestando-se apenas em adultos jovens, anos após o diagnóstico da perda auditiva. Dificuldade de adaptação ao escuro ou tropeços frequentes em ambientes com pouca luz podem ser indicativos.  
  • Síndrome de Waardenburg (SW): Grupo heterogêneo de condições caracterizadas por graus variáveis de surdez e alterações na pigmentação da pele, cabelos e olhos, além de outros achados dependendo do tipo.  
    • Tipos Principais e Genes Associados:
      • SW1: Presença de distopia cantorum (deslocamento lateral do canto medial dos olhos). Gene principal: PAX3.
      • SW2: Ausência de distopia cantorum. Gene principal: MITF, SNAI2, SOX10.
      • SW3 (Síndrome de Klein-Waardenburg): SW1 associada a anomalias de membros superiores. Gene: PAX3.
      • SW4 (Síndrome de Shah-Waardenburg): Características de SW associadas à doença de Hirschsprung (megacólon agangliônico). Genes: EDNRB, EDN3, SOX10.
    • Sinais de Alerta Sutis: Olhos azuis muito claros (hipocromia da íris) ou um olho de cada cor (heterocromia iridis). Uma mecha branca de cabelo (poliose) na região frontal, que pode ser pequena ou transiente. Manchas brancas na pele (leucodermia). Sinofris (confluência das sobrancelhas). Base nasal alargada ou proeminente. A surdez pode ser unilateral e de grau variável, passando despercebida em um dos ouvidos se não houver triagem auditiva completa.  
  • Síndrome de Pendred (SP): Caracterizada por PANS, que é tipicamente bilateral, de grau severo a profundo, e pode ser progressiva ou flutuante; desenvolvimento de bócio eutireoidiano (aumento da tireoide sem alteração da função hormonal), geralmente na segunda década de vida; e malformações da orelha interna, mais comumente o Aqueduto Vestibular Alargado (AVA) e, por vezes, a Displasia de Mondini (hipoplasia coclear). O gene causal é o SLC26A4.  
    • Sinais de Alerta Sutis: Flutuações na audição, onde a criança pode parecer ouvir melhor em alguns dias e pior em outros. História de piora súbita da audição após traumatismo craniano leve (devido à fragilidade associada ao AVA). Episódios de tontura ou vertigem, especialmente em crianças pequenas, podem ser difíceis de caracterizar. O bócio pode não ser clinicamente aparente na infância, sendo detectável apenas por ultrassonografia tireoidiana.  
  • Síndrome de Jervell e Lange-Nielsen (SJLN): Uma forma rara de síndrome do QT longo, caracterizada por PANS congênita de grau profundo, um intervalo QT prolongado no eletrocardiograma (ECG) e um risco aumentado de arritmias ventriculares (torsades de pointes), que podem levar a síncopes (desmaios), convulsões e morte súbita, especialmente em resposta a estresse físico ou emocional. Herança autossômica recessiva. Genes causais: KCNQ1 e KCNE1, que codificam subunidades de canais de potássio cardíacos e do ouvido interno.  
    • Sinais de Alerta Sutis: História familiar de morte súbita inexplicada em jovens ou crianças. Episódios de desmaio, palidez ou cianose na criança, especialmente durante choro intenso, sustos, exercícios ou febre. Qualquer criança com surdez neurossensorial profunda congênita deve ter um ECG realizado para rastrear esta condição potencialmente fatal.
  • Síndrome de Alport: Uma doença glomerular hereditária progressiva que leva à hematúria (sangue na urina), proteinúria e, eventualmente, insuficiência renal. Associada a PANS, que é tipicamente bilateral, progressiva (iniciando em altas frequências e depois se estendendo para outras) e alterações oculares, como o lenticone anterior (protrusão cônica do cristalino) e catarata. A forma mais comum é ligada ao X (gene COL4A5), sendo mais grave em homens, mas também existem formas autossômicas recessivas e dominantes (genes COL4A3, COL4A4).  
    • Sinais de Alerta Sutis: Hematúria microscópica persistente e assintomática pode ser o primeiro e único sinal renal por muitos anos. A perda auditiva pode ser sutil no início, afetando apenas as frequências mais altas e não interferindo na comunicação em ambientes silenciosos. Alterações oculares podem requerer exame oftalmológico especializado para detecção. História familiar de doença renal ou surdez.
  • Síndrome de Stickler: Grupo de doenças do tecido conjuntivo caracterizadas por alterações oculares (miopia alta, descolamento de retina, catarata), anomalias orofaciais (fenda palatina, micrognatia, sequência de Pierre Robin), problemas esqueléticos (displasia epifisária, osteoartrite precoce) e perda auditiva, que pode ser condutiva, neurossensorial ou mista, e frequentemente progressiva. Genes envolvidos incluem COL2A1, COL11A1, COL11A2.  
    • Sinais de Alerta Sutis: Miopia de início precoce e alto grau. Dores articulares ou hipermobilidade articular em crianças. Perda auditiva pode ser leve ou afetar predominantemente altas frequências inicialmente.
  • Síndrome Branchio-Oto-Renal (BOR): Caracterizada pela tríade de anomalias branquiais (fístulas ou cistos cervicais laterais, apêndices branquiais), malformações otológicas (anomalias da orelha externa como fossetas ou apêndices pré-auriculares, malformações da orelha média e interna, resultando em perda auditiva condutiva, neurossensorial ou mista) e anomalias renais (desde hipoplasia renal até agenesia renal bilateral). Herança autossômica dominante. Genes principais: EYA1, SIX1, SIX5.  
    • Sinais de Alerta Sutis: Pequenas fossetas (furinhos) ou apêndices de pele na região pré-auricular ou ao longo da borda anterior do músculo esternocleidomastoideo. Assimetria facial leve. Malformações renais podem ser assintomáticas e detectadas apenas por ultrassonografia.

A tabela a seguir visa auxiliar o clínico na suspeição diagnóstica de algumas síndromes comuns que cursam com surdez, destacando manifestações que podem ser sutis.

Tabela 2: Sinais de Alerta para Surdez Sindrômica com Manifestações Sutis

Síndrome Gene(s) Principal(is) Padrão de Herança Manifestações Auditivas Chave Sinais de Alerta Extra-Auditivos Sutis (por sistema) Testes Adicionais Chave Referências Chave
Usher (USH) MYO7A, USH2A, CDH23, PCDH15, CLRN1 etc. AR USH1: PANS congênita profunda, vestibular. USH2: PANS congênita moderada-severa. USH3: PANS progressiva. Oculares: Cegueira noturna (nictalopia), dificuldade de adaptação ao escuro, restrição progressiva do campo visual (visão tubular), tropeços. Vestibulares (USH1): Atraso no desenvolvimento motor (sentar, andar), instabilidade. Avaliação oftalmológica completa (incluindo eletrorretinograma, campo visual), avaliação vestibular.
Waardenburg (SW) PAX3, MITF, SOX10, EDN3, EDNRB, SNAI2 AD (maioria), AR (raro) PANS uni ou bilateral, congênita, grau variável (leve a profunda). Pigmentares: Olhos azuis muito claros ou heterocromia iridis, mecha branca de cabelo (frontal ou difusa), manchas hipopigmentadas na pele. Faciais (SW1): Distopia cantorum (aumento da distância entre cantos internos dos olhos), base nasal alargada, sinofris. Avaliação oftalmológica (distopia cantorum, pigmentação da íris), avaliação dermatológica.
Pendred (SP) SLC26A4 AR PANS bilateral, severa a profunda, frequentemente progressiva e/ou flutuante. Associada a Aqueduto Vestibular Alargado (AVA) e/ou Displasia de Mondini. Tireoide: Bócio eutireoidiano (pode ser ausente na infância). Vestibular: Vertigem/tontura episódica, instabilidade (especialmente após trauma craniano leve). TC de ossos temporais (para AVA/Mondini), Ultrassonografia de tireoide, Teste de descarga de perclorato (histórico, menos usado), função tireoidiana (TSH, T4L).
Jervell e Lange-Nielsen (SJLN) KCNQ1, KCNE1 AR PANS congênita, bilateral, profunda. Cardíacos: Síncope (desmaios), convulsões (especialmente desencadeadas por emoção, exercício, susto), história familiar de morte súbita em jovens. Palpitações. Eletrocardiograma (ECG) para medir intervalo QT corrigido (QTc). Holter. Teste ergométrico (com cautela).
Alport COL4A3, COL4A4, COL4A5 Ligada ao X (mais comum), AR, AD PANS bilateral, progressiva, iniciando em altas frequências. Renais: Hematúria microscópica persistente (pode ser o 1º sinal), proteinúria, hipertensão arterial, edema. História familiar de doença renal/diálise. Oculares: Lenticone anterior, catarata, alterações retinianas. Urinálise (EAS, proteinúria de 24h), função renal (ureia, creatinina), avaliação oftalmológica (lâmpada de fenda). Biópsia renal em casos selecionados.
Branchio-Oto-Renal (BOR) EYA1, SIX1, SIX5 AD Perda auditiva condutiva, neurossensorial ou mista, uni ou bilateral, grau variável. Malformações da orelha externa/média/interna. Branquiais: Fossetas ou apêndices pré-auriculares, cistos ou fístulas cervicais laterais. Renais: Anomalias estruturais (hipoplasia, displasia, agenesia), que podem ser assintomáticas. Ultrassonografia renal. Avaliação otorrinolaringológica detalhada da orelha externa e média.

 

PANS: Perda Auditiva Neurossensorial; AR: Autossômica Recessiva; AD: Autossômica Dominante.

Abordagem clínica e diagnóstica

Anamnese detalhada: história clínica, perinatal e familiar

A anamnese constitui o pilar fundamental na investigação da surdez genética, fornecendo pistas cruciais para o direcionamento diagnóstico e a suspeição de etiologias específicas. Uma coleta de dados abrangente e meticulosa é indispensável.

O histórico familiar deve ser investigado exaustivamente, buscando-se a presença de outros casos de perda auditiva entre parentes (pais, irmãos, tios, avós, primos), a idade de início e a progressão da surdez nesses familiares, e a ocorrência de consanguinidade entre os genitores, um fator que aumenta o risco de doenças autossômicas recessivas. É importante questionar sobre síndromes genéticas já diagnosticadas na família ou a presença de outros problemas de saúde que possam estar associados à surdez (ex: problemas renais, visuais, cardíacos, tireoidianos, alterações pigmentares).  

A história da perda auditiva do próprio paciente deve ser detalhada, incluindo:

  • Início: Congênito (presente ao nascimento), pré-lingual (antes do desenvolvimento da fala), pós-lingual (após o desenvolvimento da fala), ou de início tardio/adulto.  
  • Gravidade: Leve, moderada, severa ou profunda, e se houve confirmação por exames audiológicos.
  • Lateralidade: Unilateral ou bilateral. Se bilateral, se é simétrica ou assimétrica.  
  • Progressão: Se a perda auditiva é estável ou se tem piorado ao longo do tempo. Se progressiva, qual a velocidade da piora.  
  • Flutuação: Se há períodos de melhora e piora da audição.
  • Sintomas Associados: Presença de zumbido, vertigem, tontura, plenitude aural, otalgia ou otorréia.  
  • Impacto Funcional: Dificuldades na comunicação, desenvolvimento da linguagem, desempenho escolar ou profissional.

O histórico perinatal é igualmente relevante, abrangendo:

  • Gestação: Ocorrência de infecções maternas, especialmente as do grupo STORCH (Sífilis, Toxoplasmose, Outras – como Zika vírus, Varicela, HIV –, Rubéola, Citomegalovírus, Herpes), uso de medicamentos ototóxicos (ex: aminoglicosídeos, diuréticos de alça, alguns quimioterápicos) ou outras drogas/substâncias durante a gravidez, exposição a teratógenos.  
  • Parto: Complicações como anóxia neonatal, hipóxia, sofrimento fetal, necessidade de ventilação mecânica prolongada.  
  • Recém-nascido: Prematuridade, baixo peso ao nascer (<1500g), hiperbilirrubinemia com necessidade de exsanguineotransfusão, internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal por mais de 5 dias, sepse neonatal.  

O histórico pós-natal deve incluir:

  • Infecções relevantes, como meningite bacteriana ou viral, encefalite, caxumba, sarampo, otites médias recorrentes ou crônicas com efusão.  
  • Uso de medicamentos ototóxicos após o nascimento.  
  • Traumatismos cranioencefálicos, especialmente com fratura de osso temporal.  
  • Exposição a níveis elevados de ruído.  

No Brasil, estudos identificaram diversos indicadores de risco para perda auditiva em neonatos e lactentes, que devem ser ativamente investigados na anamnese. Estes incluem, além da história familiar de perda auditiva infantil permanente, fatores como prematuridade, baixo peso ao nascer, permanência em UTI neonatal, uso de medicação ototóxica e infecções congênitas. A presença de múltiplos fatores de risco concomitantemente pode aumentar significativamente a chance de falha na triagem auditiva neonatal e de uma perda auditiva instalada.  

É crucial reconhecer que muitos dos fatores de risco classicamente considerados “ambientais” ou “adquiridos” podem, na verdade, interagir com uma suscetibilidade genética subjacente. Por exemplo, infecções congênitas ou o uso de medicamentos ototóxicos durante o período perinatal são causas conhecidas de surdez. No entanto, a resposta individual a esses agressores pode ser modulada por fatores genéticos. Um exemplo emblemático é a mutação m.1555A>G no DNA mitocondrial, que confere uma alta suscetibilidade à ototoxicidade induzida por antibióticos aminoglicosídeos, mesmo em doses terapêuticas usuais ou por curtos períodos de exposição. Assim, uma criança que desenvolve surdez após o uso de um aminoglicosídeo pode ter essa evolução não apenas pelo medicamento em si, mas pela combinação do fármaco com sua predisposição genética.  

Esta intersecção entre fatores ambientais e genéticos implica que a identificação de um fator de risco perinatal ou pós-natal não deve, por si só, encerrar a investigação etiológica. A perda auditiva pode ser desproporcional ao fator de risco identificado, ou podem existir outros elementos na história ou no exame físico que sugiram um componente genético contribuinte ou primário. O reconhecimento desta complexa interação é vital, pois o diagnóstico de uma variante genética de suscetibilidade, além de explicar a surdez atual, possui implicações diretas para o aconselhamento genético (informando sobre riscos para outros membros da família e para futuras gestações) e para a prevenção de novas exposições deletérias (como evitar futuras administrações de aminoglicosídeos em indivíduos com a mutação m.1555A>G).

Exame físico direcionado: avaliação otorrinolaringológica e sistêmica

Paralelamente a uma anamnese detalhada, um exame físico completo e direcionado é essencial na avaliação de um paciente com surdez, especialmente quando há suspeita de etiologia genética. O objetivo é identificar não apenas alterações diretamente relacionadas ao sistema auditivo, mas também quaisquer sinais, mesmo que sutis, em outros órgãos ou sistemas que possam compor uma síndrome genética.  

A avaliação otorrinolaringológica deve incluir:

  • Otoscopia: Exame cuidadoso do conduto auditivo externo e da membrana timpânica, buscando por malformações, estenoses, sinais de otite média aguda ou crônica, efusões, perfurações timpânicas ou outras anormalidades.
  • Avaliação da orelha externa: Observar a forma, tamanho, implantação e simetria dos pavilhões auriculares. Procurar por microtia, anotia, apêndices pré-auriculares, fossetas pré-auriculares (pits), que podem ser marcadores de síndromes como a Branchio-Oto-Renal.  
  • Avaliação da face e crânio: Observar dismorfismos craniofaciais, assimetrias, hipertelorismo, distopia cantorum (deslocamento lateral dos cantos internos dos olhos, característico da Síndrome de Waardenburg tipo 1), sinofris (confluência das sobrancelhas), base nasal alargada ou achatada, micrognatia, alterações da linha de implantação capilar.  
  • Exame da cavidade oral e pescoço: Procurar por fenda palatina ou submucosa, úvula bífida (podem estar associadas à Síndrome de Stickler ou Velocardiofacial), assimetrias faciais, cistos ou fístulas branquiais no pescoço. Avaliação da tireoide por palpação, buscando por bócios (relevante na Síndrome de Pendred).  

A avaliação sistêmica deve ser abrangente, com atenção especial para:

  • Olhos: Avaliar acuidade visual (mesmo que por observação em crianças pequenas), movimentos oculares, presença de estrabismo, nistagmo. Observar a cor da íris (heterocromia, hipocromia azul brilhante na SW), opacidades corneanas ou do cristalino (catarata na Síndrome de Alport ou Usher), alterações na retina (a serem confirmadas por oftalmologista, mas suspeitar em caso de queixas visuais ou nictalopia na Síndrome de Usher).  
  • Pele e Fâneros: Procurar por alterações de pigmentação na pele (manchas hipo ou hiperpigmentadas na SW) ou cabelos (mecha branca frontal – poliose – na SW).  
  • Sistema Cardiovascular: Ausculta cardíaca para identificar sopros ou arritmias. Medir pressão arterial (relevante na Síndrome de Alport). Questionar sobre histórico de síncopes ou palpitações (alertar para Síndrome de Jervell e Lange-Nielsen).  
  • Sistema Renal: Palpação abdominal. Questionar sobre histórico de infecções urinárias de repetição, hematúria ou edema (relevante na Síndrome de Alport ou BOR).  
  • Sistema Musculoesquelético: Avaliar estatura, proporções corporais, presença de deformidades articulares, hipermobilidade, escoliose. Observar anomalias de membros (Síndrome de Stickler, SW tipo 3).  
  • Sistema Neurológico: Avaliar desenvolvimento neuropsicomotor, tônus muscular, equilíbrio e coordenação (disfunção vestibular pode estar presente em várias síndromes, como Usher tipo 1).  

O exame físico deve ser conduzido de forma sistemática e detalhada. Achados que podem parecer isolados ou de pouca importância, quando considerados em conjunto com a perda auditiva e o histórico familiar, podem ser a chave para o diagnóstico de uma síndrome genética específica. É importante ressaltar que a ausência de achados dismórficos ou sistêmicos evidentes não exclui a possibilidade de uma síndrome, pois algumas manifestações podem ser muito sutis ou se desenvolverem mais tardiamente. Contudo, a presença de qualquer achado positivo direciona fortemente a investigação complementar e a necessidade de encaminhamento para avaliações especializadas (geneticista, oftalmologista, nefrologista, cardiologista, endocrinologista, etc.).

A investigação audiológica Essencial

A investigação audiológica é um componente central e indispensável na avaliação de qualquer indivíduo com suspeita ou queixa de perda auditiva. Seus objetivos primários são: confirmar a presença da perda auditiva, determinar o seu tipo (se condutiva, neurossensorial ou mista), quantificar o seu grau (leve, moderada, severa ou profunda) e caracterizar sua configuração (unilateral ou bilateral, simétrica ou assimétrica, e quais frequências sonoras são mais afetadas).  

Os métodos e testes audiológicos empregados variam consideravelmente de acordo com a idade cronológica e o desenvolvimento neuropsicomotor do paciente, bem como sua capacidade de colaboração:

  • Triagem Auditiva Neonatal (TAN) e Avaliação em Lactentes: 
    • Emissões Otoacústicas Evocadas (EOAE): Este teste avalia a função das células ciliadas externas da cóclea e é amplamente utilizado na Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU), popularmente conhecida como “teste da orelhinha”. Um resultado “passa” sugere integridade das células ciliadas externas, enquanto um resultado “falha” indica a necessidade de investigação adicional.  
    • Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE ou ABR): É um exame objetivo que mede a atividade elétrica neural desde o nervo auditivo até o tronco encefálico em resposta a estímulos sonoros. O PEATE automático (PEATE-A) também é usado na TANU, especialmente para bebês com indicadores de risco para neuropatia auditiva. O PEATE diagnóstico é crucial para estimar os limiares auditivos em lactentes e crianças pequenas que não colaboram com testes comportamentais, para confirmar perdas neurossensoriais e para identificar o Transtorno do Espectro da Neuropatia Auditiva (TENA).  

 

  • Avaliação Audiológica Comportamental em Crianças: 
    • Audiometria de Observação Visual (AOV) ou Audiometria de Reforço Visual (ARV – VRA em inglês): Utilizada para crianças entre aproximadamente 6 meses e 2-3 anos de idade. Baseia-se no condicionamento da criança a virar a cabeça em direção a um estímulo visual (ex: brinquedo iluminado) quando um som é apresentado.  
    • Audiometria Lúdica Condicionada (ALC – CPA em inglês): Adequada para crianças entre 2-3 e 5 anos de idade. A criança é ensinada a realizar uma tarefa lúdica (ex: colocar uma peça em um jogo) em resposta a um estímulo sonoro.  

 

  • Avaliação Audiológica em Crianças Maiores e Adultos: 
    • Audiometria Tonal Liminar (ATL): É o teste padrão para indivíduos a partir dos 5-6 anos de idade que conseguem colaborar. Determina os limiares auditivos para tons puros em diferentes frequências, tanto por via aérea quanto por via óssea, permitindo diferenciar perdas condutivas de neurossensoriais.  
    • Logoaudiometria (Audiometria Vocal): Avalia a capacidade do indivíduo de detectar e reconhecer a fala. Inclui a pesquisa do Limiar de Reconhecimento de Fala (LRF ou SRT) e do Índice Percentual de Reconhecimento de Fala (IPRF ou WRS).
    • Imitanciometria (Timpanometria e Pesquisa de Reflexos Acústicos): Avalia a integridade e a mobilidade do sistema tímpano-ossicular (orelha média) e a função do reflexo estapediano. É fundamental para identificar problemas condutivos, como otite média com efusão, disfunção tubária ou otosclerose.  

 

  • Outros Testes: 
    • Potenciais Evocados Auditivos de Estado Estável (PEAee ou ASSR): Permitem estimar limiares auditivos frequência-específicos de forma objetiva, sendo particularmente úteis em crianças que não colaboram com a audiometria comportamental ou para complementar o PEATE diagnóstico.  
    • Avaliação Vestibular: Considerando que aproximadamente 50% das perdas auditivas podem estar associadas a algum grau de disfunção vestibular periférica, a avaliação da função vestibular (ex: vectoeletronistagmografia, vHIT, VEMP) pode ser indicada, especialmente se houver queixas de tontura, vertigem, desequilíbrio ou em síndromes conhecidas por afetar o sistema vestibular (ex: Síndrome de Usher tipo 1, Pendred).  

A caracterização precisa do fenótipo audiológico através desses exames é de extrema importância. Certos padrões audiométricos podem ser sugestivos de etiologias genéticas específicas. Por exemplo, uma perda auditiva predominantemente em baixas frequências pode levantar a suspeita de mutações no gene WFS1. Uma configuração audiométrica em “U” (pior nas frequências médias) foi associada à mutação c.101T>C no gene GJB2 em alguns estudos. A identificação do Transtorno do Espectro da Neuropatia Auditiva (TENA), caracterizado por PEATE ausente ou severamente alterado na presença de emissões otoacústicas normais, é um fenótipo particularmente importante a ser reconhecido, pois está frequentemente associado a mutações em genes como o OTOF. O TENA possui implicações distintas para o manejo, incluindo a indicação e o prognóstico do implante coclear.  

Exames de imagem (TC de Ossos Temporais, RM): indicações

Os exames de imagem, notadamente a Tomografia Computadorizada (TC) de ossos temporais e a Ressonância Magnética (RM) de orelhas internas e ângulo ponto-cerebelar, desempenham um papel crucial na investigação etiológica da surdez, especialmente quando há suspeita de alterações estruturais ou em contextos clínicos específicos.  

  • Tomografia Computadorizada (TC) de Ossos Temporais: 
    • Vantagens e indicações: A TC de alta resolução é a modalidade de escolha para a avaliação detalhada das estruturas ósseas da orelha interna e média. É particularmente útil para identificar malformações congênitas da cóclea (ex: Displasia de Mondini, hipoplasia coclear, aplasia coclear, partição incompleta), do vestíbulo e dos canais semicirculares, bem como para visualizar o trajeto do aqueduto vestibular (cuja dilatação é um achado chave em condições como a Síndrome de Pendred e a DFNB4 associada ao SLC26A4) e o canal do nervo coclear. A TC também é útil na avaliação de otosclerose, deiscências de canal semicircular, fraturas do osso temporal e colesteatomas. É um exame relativamente rápido e, em geral, menos dispendioso que a RM, e pode não requerer sedação em crianças mais velhas e colaborativas.  
    • Achados relevantes: Além das malformações mencionadas, a TC pode revelar estenose ou atresia do conduto auditivo externo, anormalidades ossiculares, e a presença de ossificação coclear (labirintite ossificante), uma complicação de meningite que pode impactar a cirurgia de implante coclear.

 

  • Ressonância Magnética (RM): 
    • Vantagens e indicações: A RM oferece uma visualização superior de tecidos moles, incluindo o labirinto membranoso, o conteúdo do saco endolinfático, o nervo vestibulococlear (VIII par craniano) e as vias auditivas centrais no tronco encefálico e cérebro. É essencial para avaliar a presença, calibre e integridade do nervo auditivo, sendo fundamental na investigação de aplasia ou hipoplasia do nervo coclear, condições que podem contraindicar o implante coclear convencional. A RM também é o exame de escolha para detectar tumores do ângulo ponto-cerebelar (ex: schwannoma vestibular), processos inflamatórios ou desmielinizantes que afetam o nervo auditivo, e malformações cerebrais que podem estar associadas à surdez.  
    • Achados relevantes: Aplasia ou hipoplasia do nervo coclear, schwannoma vestibular, sinais de labirintite aguda ou crônica, alargamento do saco endolinfático (complementar à visualização do aqueduto vestibular na TC), anomalias do tronco encefálico ou cerebelo.

Indicações Gerais para Exames de Imagem na Surdez: A decisão de solicitar exames de imagem deve ser individualizada, mas algumas indicações gerais incluem :  

  • Perda auditiva neurossensorial unilateral ou assimétrica significativa.
  • Perda auditiva de início súbito.
  • Suspeita de malformação da orelha interna ou média com base em achados clínicos ou audiológicos.
  • Presença de sinais ou sintomas neurológicos associados.
  • História de meningite ou trauma craniano com perda auditiva.
  • Avaliação pré-operatória para implante coclear (obrigatória para avaliar a anatomia coclear e a perviedade do nervo).  
  • Perda auditiva progressiva de etiologia indeterminada.
  • Falha na triagem auditiva neonatal com achados audiológicos sugestivos de envolvimento retrococlear ou malformativo.

A escolha entre TC e RM, ou a necessidade de ambos, depende da suspeita clínica principal. Em muitos casos de surdez congênita ou de início precoce, especialmente se houver suspeita de malformação óssea, a TC é frequentemente o primeiro exame. Se houver preocupação com o nervo auditivo ou estruturas intracranianas, a RM é indispensável. Para a avaliação completa pré-implante coclear, muitos centros utilizam ambos os exames.

Os exames de imagem desempenham um papel fundamental na tentativa de “desmistificar” casos de surdez inicialmente classificados como idiopáticos. A revelação de malformações, mesmo que sutis, da orelha interna pode fornecer pistas etiológicas importantes. Por exemplo, a identificação de um Aqueduto Vestibular Alargado (AVA) na TC ou RM direciona fortemente a investigação para mutações no gene SLC26A4. Além de auxiliar no diagnóstico genético, a identificação de uma malformação como o AVA também traz consigo implicações clínicas específicas, como o alerta para o risco aumentado de progressão da perda auditiva após traumatismos cranianos, mesmo que leves, e a possibilidade de flutuações auditivas.  

No contexto do planejamento cirúrgico para o implante coclear, os exames de imagem são absolutamente indispensáveis. Eles permitem ao cirurgião avaliar detalhadamente a anatomia da cóclea (seu tamanho, forma, número de giros, presença de ossificação), a perviedade do nervo vestibulococlear e identificar possíveis desafios ou riscos cirúrgicos. Por exemplo, em casos de malformações com comunicação anômala entre o espaço liquórico e a orelha interna, como pode ocorrer em algumas displasias cocleares ou AVAs muito largos, existe um risco aumentado de “gusher” de perilinfa (extravasamento profuso de líquido perilinfático) durante a cocleostomia. A identificação prévia dessas condições permite um planejamento cirúrgico mais cuidadoso e, em alguns casos, a necessidade de eletrodos de implante coclear especiais, adaptados para cócleas malformadas ou hipoplásicas.  

Testagem genética para Surdez no contexto brasileiro

Tecnologias Disponíveis: Painéis NGS e Sequenciamento de Exoma Completo (WES)

O advento e a disseminação das tecnologias de Sequenciamento de Nova Geração (NGS) representaram uma revolução no campo do diagnóstico genético, particularmente para condições com alta heterogeneidade genética como a surdez. Atualmente, os testes genéticos moleculares são considerados o padrão de cuidado na avaliação etiológica de indivíduos com perda auditiva de causa indeterminada. As principais abordagens baseadas em NGS para a investigação da surdez incluem:  

  • Painéis de genes por NGS: Estes testes analisam simultaneamente um conjunto pré-determinado de genes conhecidos por estarem associados à surdez. O número de genes incluídos em um painel pode variar consideravelmente, desde algumas dezenas até várias centenas, dependendo do laboratório e do escopo do painel (ex: focado em surdez não sindrômica, surdez sindrômica, ou abrangente). Os painéis podem ser mais custo-efetivos e apresentar um tempo de análise menor em comparação com o exoma, especialmente se houver uma forte suspeita clínica direcionada para um grupo específico de genes.  
  • Sequenciamento completo do Exoma (WES – Whole Exome Sequencing): O WES analisa as regiões codificadoras (éxons) de aproximadamente 20.000 a 22.000 genes do genoma humano, o que representa cerca de 1-2% do genoma total, mas onde se localiza a maioria (cerca de 85%) das mutações causadoras de doenças conhecidas. O WES é uma ferramenta poderosa para casos de surdez onde os painéis de genes foram inconclusivos, em quadros clínicos complexos ou atípicos, ou quando há suspeita de uma síndrome rara ou de um gene ainda não classicamente associado à surdez.  

A escolha entre um painel de NGS e o WES depende de vários fatores, incluindo a apresentação clínica do paciente (presença de sinais sindrômicos, padrão de herança familiar, fenótipo audiológico específico), os resultados de investigações prévias, a disponibilidade dos testes e considerações de custo. Para casos com características bem definidas que apontam para um grupo restrito de genes, um painel direcionado pode ser a abordagem inicial mais eficiente. Em situações de maior incerteza diagnóstica, o WES oferece uma investigação mais ampla. É importante notar que ambas as tecnologias podem identificar variantes de significado incerto (VUS), cujo papel na patogênese da doença pode não ser claro, exigindo interpretação cuidadosa por geneticistas e, por vezes, estudos adicionais.

Disponibilidade, cobertura de genes e custos no Brasil

No Brasil, a disponibilidade de testes genéticos para surdez tem aumentado progressivamente, com diversos laboratórios públicos e privados oferecendo diferentes modalidades de análise.

Acesso no SUS e cobertura pela saúde suplementar (ANS)

O acesso a testes genéticos para surdez no Brasil é uma questão complexa, marcada por disparidades entre o sistema público e o privado, e por uma cobertura ainda limitada e fragmentada.

No âmbito da Saúde Suplementar, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) define, através do seu Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, quais exames e tratamentos devem ter cobertura obrigatória pelos planos de saúde. A Resolução Normativa (RN) 465/2021 e suas atualizações subsequentes estabelecem as Diretrizes de Utilização (DUT) para diversos procedimentos genéticos. No entanto, o Rol da ANS não especifica, de forma explícita e generalizada, a cobertura para painéis NGS abrangentes ou Sequenciamento Completo do Exoma (WES) com a indicação primária de diagnóstico etiológico de “surdez hereditária”.  

Apesar disso, o mesmo Rol contempla a cobertura de testes genéticos (incluindo NGS e WES em alguns casos) para o diagnóstico de síndromes genéticas específicas que podem cursar com surdez como uma de suas manifestações. Exemplos incluem a Síndrome de CHARGE (pesquisa de mutação no gene CHD7), Síndrome de Noonan (painel NGS para genes como PTPN1, SOS1), Osteogênese Imperfeita (painel NGS para genes como COL1A1, COL1A2), entre outras. Além disso, o WES é coberto em contextos específicos, como na investigação de deficiência intelectual de causa indeterminada ou Transtorno do Espectro Autista (TEA) após um resultado negativo em exames de microarray (CGH-Array ou SNP-array). Isso significa que, indiretamente, um paciente com surdez e outras características que configurem uma suspeita dessas síndromes cobertas, ou que se enquadre nos critérios para investigação de DI/TEA, poderia ter acesso ao teste genético relevante. Contudo, para casos de surdez aparentemente não sindrômica ou síndromes raras não listadas explicitamente com DUT para teste genético, a cobertura pode ser negada. O painel para surdez da Dasa Genômica, por exemplo, é explicitamente mencionado como não tendo cobertura pela ANS.  

No Sistema Único de Saúde (SUS), a situação é ainda mais restritiva. Embora testes genéticos mais simples e de baixo custo, como a pesquisa da mutação 35delG no gene GJB2 e da mutação m.1555A>G no DNA mitocondrial, estejam comercialmente disponíveis no Brasil há algum tempo , sua incorporação e disponibilidade rotineira na rede pública são limitadas e heterogêneas, dependendo da organização de serviços de genética em cada estado ou município e da disponibilidade de recursos em hospitais universitários ou centros de referência. A investigação do gene SLC26A4 (associado à Síndrome de Pendred), por exemplo, não estava disponível no Brasil em 2003 , e o acesso a painéis NGS ou WES para surdez no SUS é ainda mais raro, geralmente restrito a protocolos de pesquisa ou serviços altamente especializados.  

Diretrizes nacionais para Testagem Genética (AMB, SBGM, etc., se disponíveis)

No Brasil, as diretrizes para testagem genética da surdez buscam equilibrar os avanços tecnológicos com a realidade de acesso e custos. A Associação Médica Brasileira (AMB), em suas diretrizes publicadas em janeiro de 2021, propõe uma abordagem escalonada para a investigação genética da surdez hereditária.  

  • Recomendações da AMB (2021):
    • A investigação inicial deve focar nas mutações mais frequentes e de menor custo. O primeiro teste de escolha recomendado é a triagem por PCR para a detecção específica da mutação c.35delG no gene GJB2, devido à sua alta prevalência, facilidade técnica e custo relativamente baixo.  
    • Caso o teste para c.35delG seja negativo (ou seja, não detecte a mutação em homozigose ou heterozigose), e a suspeita de envolvimento do GJB2 persista (ex: padrão de herança recessivo, surdez não sindrômica), recomenda-se o sequenciamento completo por Sanger do único éxon codificador do gene GJB2 para rastrear outras mutações menos comuns neste gene.  
    • Se, após o sequenciamento do GJB2, apenas uma mutação recessiva for detectada (ou seja, o indivíduo for heterozigoto para uma variante patogênica no GJB2), indica-se a pesquisa de grandes deleções no gene GJB6 (especificamente as deleções GJB6-D13S1830 e GJB6-D13S1854) por meio de PCR. Isso se deve ao fato de que essas deleções no GJB6 podem atuar como o segundo alelo recessivo em conjunto com uma mutação pontual no GJB2, causando a surdez (herança digênica).  
    • Em casos onde há histórico de exposição a antibióticos aminoglicosídeos e desenvolvimento de surdez, ou um padrão de herança materna sugestivo, o teste para mutações mitocondriais, especialmente a variante m.1555A>G no gene MT-RNR1, é recomendado.  

As diretrizes da AMB também abordam o uso de tecnologias mais abrangentes como os painéis de NGS e o WES:

  • Painéis de genes por NGS: A AMB reconhece a existência e o potencial dos painéis gênicos baseados em NGS, capazes de avaliar mutações em diversos genes simultaneamente. No entanto, as diretrizes apontam para desafios importantes: a falta de homogeneidade entre os diferentes laboratórios em relação a quais e quantos genes são incluídos nos painéis; o alto custo desses exames, que restringe seu uso a uma pequena parcela da população; e a variação na frequência de mutações e dos genes alterados entre as diferentes regiões geográficas e grupos étnicos do Brasil, o que dificulta a padronização de um painel único que seja ótimo para toda a população brasileira.  
  • Sequenciamento completo do exoma (WES): O WES é considerado uma ferramenta útil para a investigação de quadros genéticos com grande heterogeneidade, como a surdez. Contudo, seu custo ainda mais elevado e as limitações na interpretação dos resultados (dado o grande número de variantes de significado incerto – VUS – que podem ser encontradas e cuja causalidade nem sempre pode ser estabelecida com certeza) tornam o WES, na visão da AMB à época da publicação, mais aplicável em um contexto de pesquisa do que na rotina diagnóstica ampla.  

 

Essas diretrizes da AMB refletem uma abordagem pragmática e escalonada, que leva em consideração a realidade de custos e a disponibilidade de diferentes tecnologias no cenário brasileiro. Elas reconhecem o potencial diagnóstico das ferramentas de NGS, mas também ponderam sobre as barreiras atuais para sua implementação em larga escala.

Correlação genótipo-fenótipo e implicações prognósticas

A identificação da variante genética específica causadora da surdez permite, em muitos casos, estabelecer correlações entre o genótipo (a constituição genética) e o fenótipo (as características clínicas observadas, incluindo o tipo, grau e progressão da perda auditiva). Esse conhecimento é crucial para o prognóstico individualizado e para a tomada de decisões terapêuticas, incluindo a indicação e as expectativas em relação ao implante coclear.

Impacto de mutações Específicas na Gravidade e Progressão da Perda Auditiva

A relação entre o genótipo e as características da perda auditiva é complexa e nem sempre linear, mas diversos estudos têm elucidado padrões importantes para genes frequentemente implicados na surdez.

Gene GJB2 (Conexina 26):

 

    • Gravidade: O tipo de mutação no GJB2 influencia diretamente a severidade da perda auditiva. Indivíduos homozigotos para a mutação c.35delG (ou seja, que possuem duas cópias desta variante) tendem a apresentar uma perda auditiva mais acentuada (geralmente severa a profunda) em comparação com aqueles que são heterozigotos compostos, possuindo a c.35delG em um alelo e uma outra mutação diferente de c.35delG no outro alelo. Indivíduos com duas mutações no GJB2, nenhuma delas sendo a c.35delG, tendem a ter uma perda auditiva ainda menor. De forma geral, mutações que levam a uma ausência completa da proteína Conexina 26 funcional (mutações truncantes, como frameshifts ou nonsense, que resultam em uma proteína não funcional ou ausente) estão associadas a fenótipos auditivos mais graves do que mutações missense que podem permitir alguma função residual da proteína. Combinações específicas, como a presença da mutação c.35delG com certas variantes missense (L90P, V37I) ou com a mutação de splicing IVS1+1G>A, e o genótipo V37I/V37I, foram associadas a perdas auditivas significativamente mais leves do que o genótipo c.35delG homozigoto. A variante V37I (c.109G>A), em particular, quando presente em homozigose ou heterozigose composta, foi consistentemente associada a perda auditiva de grau leve em um estudo australiano com crianças identificadas por triagem neonatal. A variante c.101T>C no GJB2 também tendeu a manifestar-se com perda auditiva mais leve e uma configuração audiométrica característica em “U” (pior audição nas frequências médias).  
    • Progressão: Embora a perda auditiva causada por mutações no GJB2 seja frequentemente descrita como não progressiva, estudos longitudinais têm demonstrado que uma proporção significativa de pacientes, especialmente crianças, pode apresentar progressão da perda auditiva ao longo do tempo. Em um estudo com crianças com mutações bialélicas no GJB2, mais da metade daquelas com audição residual inicial experimentou algum grau de progressão, geralmente de forma gradual. Pacientes com duas mutações truncantes no GJB2 não apenas tiveram perda auditiva inicial mais severa, mas também podem estar em risco de progressão. Por outro lado, a presença de alelos como M34T ou V37I foi associada a perdas mais leves e, possivelmente, mais estáveis.  

 

Gene SLC26A4 (Pendrina):

 

    • Gravidade e Progressão: Mutações bialélicas no SLC26A4 tipicamente causam perda auditiva neurossensorial bilateral, de grau geralmente severo a profundo. Uma característica marcante é a variabilidade no início e na evolução da perda. Muitas crianças podem passar na triagem auditiva neonatal, desenvolvendo a perda auditiva mais tardiamente na primeira infância. A perda auditiva associada ao SLC26A4 é frequentemente flutuante (com períodos de melhora e piora) e/ou progressiva. A progressão pode ser gradual ou ocorrer de forma súbita, por vezes desencadeada por traumatismos cranianos leves, devido à presença comum do Aqueduto Vestibular Alargado (AVA).  
    • Correlação Genótipo-Fenótipo: Apesar da clareza da associação com o gene, não foram identificadas correlações genótipo-fenótipo consistentemente fortes e clinicamente relevantes para o SLC26A4. Observa-se uma considerável variabilidade intrafamiliar nas anomalias do osso temporal, no grau e progressão da perda auditiva e na presença ou ausência de doença tireoidiana (bócio), o que dificulta a predição fenotípica precisa baseada apenas no genótipo durante a infância.  

 

Gene OTOF (Otoferlina):

    • Mutações bialélicas no OTOF, como a variante homozigota p.Gln829* (também conhecida como Q829X), são causa de perda auditiva neurossensorial congênita, bilateral, de grau severo a profundo. Um fenótipo característico e frequente é o Transtorno do Espectro da Neuropatia Auditiva (TENA), onde há uma dessincronia na transmissão do sinal neural auditivo.  

 

Gene USH2A (Usina):

    • Mutações neste gene são a principal causa da Síndrome de Usher tipo 2. O fenótipo auditivo típico é uma perda auditiva neurossensorial congênita, de grau moderado a severo, que pode apresentar alguma progressão ao longo do tempo.  

 

Síndrome de Noonan e RASopatias Relacionadas:

    • Em pacientes com estas síndromes, variantes nos genes PTPN11 e RAF1 podem levar a uma perda auditiva neurossensorial de grau severo a profundo, com início congênito. Estudos de modelagem molecular sugerem que variantes no PTPN11 associadas a fenótipos auditivos mais graves e com alta penetrância exercem um efeito de ganho de função mais pronunciado na cascata de sinalização RAS/ERK.  

Outros genes associados à progressão:

    • Além dos já mencionados (GJB2 truncante, SLC26A4, USH2A), um estudo identificou que crianças com mutações causadoras de perda auditiva nos genes MYO6, OTOA e TMPRSS3, ou com variantes de perda de função severa no GJB2, também apresentaram perda auditiva progressiva, com uma taxa de piora superior a 10 dB por década.  

 

A identificação de genes e mutações específicas que estão associados à progressão da perda auditiva é de extrema relevância clínica. Uma perda auditiva diagnosticada como leve ou moderada ao nascimento pode não gerar o mesmo nível de preocupação imediata que uma perda profunda. No entanto, se o genótipo subjacente indicar um alto risco de progressão, a conduta clínica deve ser mais proativa e vigilante. A progressão não antecipada ou não identificada precocemente pode levar a um atraso crítico na adequação das estratégias de reabilitação auditiva, como o ajuste dos parâmetros dos Aparelhos de Amplificação Sonora Individual (AASI) ou a indicação oportuna do implante coclear.

Tal atraso pode ter um impacto negativo substancial no desenvolvimento da linguagem oral, na comunicação e no progresso educacional da criança. O conhecimento do potencial de progressão associado a um genótipo específico permite, portanto, o estabelecimento de um plano de acompanhamento audiológico mais rigoroso e individualizado. Além disso, possibilita uma discussão mais informada e antecipada com a família sobre as possíveis futuras necessidades de intervenção, incluindo o momento ideal para considerar o implante coclear, otimizando assim a janela de oportunidade neurobiológica para o desenvolvimento linguístico e auditivo.

Prognóstico para Implante Coclear (IC) Baseado no Genótipo

O diagnóstico genético está se tornando uma ferramenta cada vez mais valiosa não apenas para determinar a etiologia da surdez, mas também para auxiliar na previsão do prognóstico e dos resultados esperados com o implante coclear (IC). Diferentes genes e tipos de mutações podem influenciar a resposta à estimulação elétrica.

Gene GJB2 (Conexina 26):

    • Pacientes com surdez causada por mutações bialélicas no GJB2 geralmente apresentam bons a excelentes resultados com o implante coclear. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que a patologia primária reside na disfunção das junções comunicantes na cóclea, mas a estrutura geral da cóclea e, crucialmente, a integridade do nervo auditivo e das vias auditivas centrais tendem a estar preservadas. Assim, o nervo auditivo é geralmente capaz de responder bem à estimulação elétrica fornecida pelo IC. Múltiplos estudos corroboram essa observação, e notavelmente, não há relatos na literatura que indiquem resultados piores com IC em pacientes com mutações no GJB2 em comparação com outras etiologias de surdez profunda.  

Gene OTOF (Otoferlina):

    • Mutações no OTOF causam surdez neurossensorial profunda frequentemente associada ao Transtorno do Espectro da Neuropatia Auditiva (TENA), devido a um defeito na neurotransmissão pré-sináptica das células ciliadas internas. Pacientes com TENA causado por mutações no OTOF também costumam apresentar bons resultados com o implante coclear. A estimulação elétrica do IC consegue “contornar” o defeito sináptico e ativar diretamente as fibras do nervo auditivo.  

 

Gene SLC26A4 (Pendrina – Síndrome de Pendred / DFNB4 com AVA):

 

    • Indivíduos com surdez associada a mutações no SLC26A4 e presença de Aqueduto Vestibular Alargado (AVA) e/ou outras malformações da orelha interna (como a Displasia de Mondini) também podem se beneficiar significativamente do implante coclear, com boa reabilitação auditiva reportada. No entanto, existem algumas considerações importantes:  
      • Riscos Cirúrgicos: A presença de malformações da orelha interna, como o AVA, pode estar associada a um risco aumentado de complicações perioperatórias, como o “gusher” de perilinfa (extravasamento abundante de líquido do ouvido interno durante a cirurgia) e complicações pós-operatórias, como vertigem transitória.  
      • Idade da Implantação: Devido à natureza frequentemente flutuante e progressiva da perda auditiva em pacientes com mutações no SLC26A4, eles podem receber o implante coclear em uma idade mais tardia em comparação com crianças com outros tipos de surdez congênita estável e profunda.  

 

Síndrome de Usher (USH):

 

    • O implante coclear tem se mostrado uma intervenção eficaz para melhorar a inteligibilidade de fala e a qualidade de vida em pacientes com Síndrome de Usher, incluindo aqueles com USH2A. De forma geral, o IC é benéfico na SU.  
    • Estudos de correlação genótipo-resultado do IC na Síndrome de Usher sugerem que o gene específico envolvido pode influenciar o desfecho. Mutações no gene USH2A foram associadas a uma maior probabilidade de resultados classificados como “excelentes” com o IC. Em contraste, mutações no gene PCDH15 (associado à USH1D) foram relacionadas a uma menor probabilidade de alcançar resultados “excelentes” ou “bons”. Isso destaca a importância do teste genético pré-cirúrgico para um aconselhamento mais preciso.  

 

Surdez ligada ao X tipo 2 (DFNX2, gene PRPS1):

    • Uma revisão sistemática da literatura indicou que a maioria dos estudos demonstra que o implante coclear proporciona melhorias significativas no desempenho auditivo e de fala em crianças com DFNX2.  

 

Outros genes e considerações gerais:

Um estudo amplo que avaliou o sucesso do IC em crianças com diversas causas genéticas de surdez encontrou que, embora todos os grupos tenham melhorado a percepção da fala após o IC, o grau de sucesso variou substancialmente de acordo com o genótipo. Após ajustes para fatores como idade da implantação e tempo de uso do dispositivo, a percepção da fala tendeu a ser mais alta em crianças com perda auditiva causada por mutações nos genes MITF ou TMPRSS3.  

A presença de malformações da orelha interna ou anomalias cerebrais, que podem ter uma base genética, é um fator que pode comprometer os resultados do implante coclear. No entanto, mesmo nesses cenários complexos, resultados funcionais bons ainda são possíveis, embora o prognóstico possa ser mais reservado em comparação com cócleas anatomicamente normais. Um estudo observou que a presença concomitante de malformações da orelha interna em pacientes com uma mutação genética conhecida (como a 35delG no GJB2) pode levar a um resultado pior do que o esperado para aquela mutação em uma cóclea sem malformações. A deficiência do nervo coclear (hipoplasia ou aplasia) é um fator prognóstico particularmente negativo para o IC convencional.  

 

A identificação de genes como GJB2 e OTOF como associados a “bons” resultados com o IC levanta um ponto importante para o aconselhamento. Isso ocorre, em grande medida, porque a patologia nesses casos é primariamente coclear (disfunção das junções comunicantes no GJB2) ou pré-sináptica (defeito na neurotransmissão no OTOF), deixando o nervo auditivo e as vias auditivas centrais geralmente intactos e, portanto, mais responsivos à estimulação elétrica direta fornecida pelo implante.

Este conhecimento, embora positivo, pode, paradoxalmente, gerar uma expectativa muito elevada por um resultado “excelente” ou “perfeito” com o IC em famílias que recebem esses diagnósticos genéticos. É fundamental que o aconselhamento pré-implante module essas expectativas. Embora o prognóstico genético seja um fator importante e favorável nesses casos, ele não é uma garantia absoluta de um desfecho específico. A variabilidade individual nos resultados do IC ainda existe e é influenciada por uma miríade de outros fatores, incluindo a idade no momento da implantação, a qualidade e consistência da reabilitação fonoaudiológica, o suporte familiar e ambiental, e a presença de comorbidades não detectadas ou de fatores neurocognitivos individuais.

Portanto, no aconselhamento pré-IC, o médico deve comunicar essas nuances de forma clara e equilibrada. O diagnóstico genético informa e auxilia no prognóstico, mas não determina de forma absoluta e isolada todo o desfecho da reabilitação auditiva. É preciso preparar a família para um processo que, embora promissor, exige dedicação e pode apresentar variações. Da mesma forma, a identificação de genes ou condições associadas a resultados potencialmente menos favoráveis com o IC (como mutações no PCDH15 ou em casos de deficiência significativa do nervo coclear ) também é vital para um aconselhamento realista e para o planejamento de estratégias de reabilitação alternativas ou complementares, se necessário.  

A tabela abaixo sumariza a correlação genótipo-fenótipo e o prognóstico para implante coclear para algumas das mutações genéticas mais relevantes discutidas.

Tabela 4: Correlação Genótipo-Fenótipo e Prognóstico para Implante Coclear em Mutações Selecionadas

Gene/Mutação Específica Fenótipo Auditivo Típico (Gravidade, Progressão, Início) Presença Comum de Neuropatia Auditiva Malformações Comuns da Orelha Interna Prognóstico Geral com Implante Coclear Considerações Específicas para IC Referências Chave
GJB2 (ex: c.35delG/c.35delG) PANS congênita, bilateral, geralmente severa a profunda, tipicamente não progressiva (embora progressão possa ocorrer em alguns casos). Não Geralmente ausentes (cóclea estruturalmente normal). Bom a Excelente Idade precoce de implantação é ideal. Geralmente boa resposta à estimulação elétrica. Resultados de fala costumam ser favoráveis.
GJB2 (ex: V37I/V37I ou c.35delG/V37I) PANS congênita, bilateral, leve a moderada, geralmente estável. Não Geralmente ausentes. Variável (muitos não atingem critérios para IC devido à perda mais leve). Se IC indicado por progressão, prognóstico pode ser bom. Monitorar progressão. Decisão de IC baseada na audição funcional.
SLC26A4 (Pendrina) PANS congênita ou de início na infância, bilateral, severa a profunda, frequentemente progressiva e/ou flutuante. Não Aqueduto Vestibular Alargado (AVA) é comum; Displasia de Mondini pode ocorrer. Bom, mas pode haver maior variabilidade. Risco de “gusher” de perilinfa durante a cirurgia devido ao AVA. Possível vertigem pós-operatória. Implantação pode ser mais tardia devido à natureza da perda.
OTOF (Otoferlina) PANS congênita, bilateral, profunda. Sim (frequente fenótipo de TENA pré-sináptica). Geralmente ausentes. Bom a Excelente Idade precoce de implantação é crucial. Resposta ao IC geralmente contorna o defeito sináptico.
USH2A (Usher Tipo 2) PANS congênita, bilateral, moderada a severa, pode ser progressiva. Não Geralmente ausentes. Bom a Excelente Considerar a progressão da perda visual (Retinose Pigmentar) no planejamento da reabilitação global. Resultados de fala com IC costumam ser bons.
MYO7A (Usher Tipo 1) PANS congênita, bilateral, profunda. Disfunção vestibular severa. Não Geralmente ausentes, mas desenvolvimento coclear pode ser afetado em nível celular. Bom, mas pode ser mais variável que GJB2. Reabilitação vestibular e visual concomitantes são essenciais. Idade precoce de IC é fundamental.
PCDH15 (Usher Tipo 1) PANS congênita, bilateral, profunda. Disfunção vestibular. Não Geralmente ausentes. Mais reservado/variável em comparação com outros genes de Usher ou GJB2. Aconselhamento cuidadoso sobre expectativas. Reabilitação intensiva.
TMPRSS3 PANS pré ou pós-lingual, progressiva, severa a profunda. Não Geralmente ausentes. Bom a Excelente Perda progressiva pode levar à indicação de IC. Resultados de percepção de fala com IC tendem a ser altos.
Mutações em genes associados a malformações cocleares significativas (ex: alguns casos de POU3F4, displasias complexas) Variável, frequentemente severa a profunda. Pode ser mista. Variável Presentes (ex: hipoplasia coclear, canal auditivo interno estreito, Mondini complexa). Reservado a Variável Risco cirúrgico aumentado. Necessidade de eletrodos especiais. Resultados dependem da integridade do nervo auditivo e da possibilidade de estimulação efetiva.
Deficiência do Nervo Coclear (Aplasia/Hipoplasia) PANS profunda, frequentemente com respostas ausentes no PEATE. Sim (pode mimetizar TENA, mas com nervo deficiente). Pode estar associada a canal auditivo interno estreito. Muito Reservado a Pobre (para IC convencional). IC convencional geralmente não é eficaz. Implante Auditivo de Tronco Encefálico (ABI) pode ser uma opção em casos selecionados. RM é crucial para diagnóstico.

 

PANS: Perda Auditiva Neurossensorial; TENA: Transtorno do Espectro da Neuropatia Auditiva; AVA: Aqueduto Vestibular Alargado.

Implicações dos dados genéticos para a conduta clínica

O conhecimento da etiologia genética da surdez transcende o mero interesse acadêmico, possuindo implicações diretas e profundas na conduta clínica diária. Desde a escolha da estratégia de reabilitação auditiva até o aconselhamento sobre terapias emergentes e o planejamento do acompanhamento a longo prazo, os dados genéticos oferecem um roteiro mais preciso e individualizado para o cuidado do paciente.

Terapias emergentes e perspectivas futuras (com foco em terapia gênica)

O campo da surdez genética tem sido palco de avanços promissores em terapias emergentes, com destaque para a terapia gênica. Embora ainda não seja uma realidade na prática clínica rotineira no Brasil , os progressos recentes em nível internacional são encorajadores.  

Um marco significativo foi a demonstração de recuperação auditiva parcial em crianças com surdez congênita causada por mutações no gene OTOF (otoferlina), após a administração de uma terapia gênica diretamente na cóclea. Um ensaio clínico, cujos resultados foram publicados na revista The Lancet e destacados pela Science, utilizou um vírus adeno-associado (AAV) modificado como vetor para entregar uma cópia funcional do gene OTOF às células da orelha interna.

Em cinco dos seis pacientes tratados, observou-se melhora auditiva devido à expressão da proteína otoferlina funcional, essencial para a neurotransmissão auditiva. Uma estratégia chave para o sucesso desta terapia foi a divisão do gene OTOF, que é grande, em duas partes, utilizando dois vetores virais para sua entrega.  

Apesar desses avanços entusiasmantes, diversos desafios persistem:

  • Especificidade: A terapia gênica atual para surdez, como a desenvolvida para o OTOF, é altamente específica para mutações em um único gene. Isso significa que ela não se aplica à vasta maioria dos casos de surdez genética causados por alterações em outros dos mais de 150 genes já implicados. 
  • Complexidade de outras formas de surdez: Muitas formas de surdez, incluindo aquelas não genéticas ou genéticas que levam à degeneração das células ciliadas, exigiriam abordagens mais complexas, como a regeneração dessas células sensoriais, o que provavelmente envolveria a manipulação de múltiplos genes e vias de desenvolvimento – um desafio científico consideravelmente maior.  
  • Natureza do tratamento: As terapias baseadas em vetores AAV, como a utilizada para o OTOF, podem não oferecer uma cura permanente. A expressão do gene terapêutico pode diminuir ao longo do tempo, potencialmente necessitando de reaplicações futuras do tratamento.  
  • Custo elevado: As terapias gênicas que já alcançaram o mercado para outras doenças possuem custos extremamente elevados, o que representa uma barreira significativa para sua acessibilidade, especialmente em sistemas de saúde públicos como o SUS.  
  • Disponibilidade no Brasil: Atualmente, a terapia gênica para surdez não é realizada em nenhum hospital ou centro de pesquisa no Brasil fora de contextos experimentais muito restritos. A incorporação de tais terapias no futuro dependerá de aprovação regulatória pela ANVISA, estudos adicionais de segurança e eficácia, e da superação das barreiras de custo.  
  • Pesquisa em outras áreas: A pesquisa em terapia gênica para distúrbios do neurodesenvolvimento em geral enfrenta desafios complexos relacionados à entrega eficiente e segura dos genes terapêuticos aos tipos celulares corretos no sistema nervoso e em momentos específicos do desenvolvimento, o que também pode ser relevante para algumas formas de surdez sindrômica com envolvimento neurológico. A Síndrome de Usher, devido à sua natureza degenerativa e ao impacto combinado na audição e visão, também é um foco importante de pesquisa em terapia gênica.  

A perspectiva de terapias gênicas para surdez, embora promissora, evidencia um “funil genético”. Ou seja, para que um paciente possa se beneficiar de uma terapia futura direcionada a um gene específico (como o OTOF), ele primeiro precisa ter sua condição genética precisamente diagnosticada. Isso significa que a capacidade de realizar testes genéticos abrangentes e acessíveis é um pré-requisito fundamental. Sem uma triagem genética ampla, muitos potenciais candidatos a essas futuras terapias podem nunca ser identificados. A atual limitação no acesso a testes genéticos detalhados no Brasil pode se tornar uma barreira ainda maior à medida que mais terapias gênicas específicas se tornem disponíveis globalmente.

Isso cria um paradoxo: a terapia pode existir, mas poucos conseguem passar pelo “gargalo” do diagnóstico genético preciso para acessá-la. Portanto, o investimento na capacidade diagnóstica genética hoje não é apenas para melhorar o cuidado atual, mas também para preparar o terreno para as inovações terapêuticas do futuro. A professora Regina Célia Mingroni Netto, citada em uma das fontes, defende a importância de tornar os testes genéticos mais acessíveis em hospitais públicos para identificar potenciais candidatos a terapias gênicas.  

C. Acompanhamento Multidisciplinar e a Longo Prazo

O manejo da surdez genética, especialmente em suas formas sindrômicas ou progressivas, exige uma abordagem de cuidado contínuo e coordenado, envolvendo uma equipe multidisciplinar e um plano de acompanhamento a longo prazo.  

  • Necessidade de Equipe Multidisciplinar: A Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM) enfatiza que as doenças genéticas são frequentemente condições multissistêmicas que requerem uma abordagem interdisciplinar e multiprofissional. No contexto da surdez genética, essa equipe pode incluir otorrinolaringologista, geneticista clínico, fonoaudiólogo, pediatra, neurologista, oftalmologista, endocrinologista, nefrologista, cardiologista, psicólogo, assistente social, entre outros, dependendo da etiologia e das comorbidades presentes.  
  • Monitoramento da Perda Auditiva: O acompanhamento audiológico regular é essencial para todos os indivíduos com surdez genética. Seus objetivos são :  
    • Documentar a estabilidade ou a progressão da perda auditiva.
    • Adaptar as estratégias de reabilitação auditiva (ajustes em AASI, consideração para IC) conforme a evolução da audição.
    • Identificar e tratar perdas auditivas adquiridas sobrepostas, como otites médias com efusão, que podem piorar temporariamente a audição.
  • Frequência do Monitoramento Audiológico: Os intervalos de teste audiológico devem ser individualizados e adaptados ao diagnóstico genético específico e ao prognóstico esperado para a perda auditiva. Recomendações gerais sugerem :  
    • Para genes associados a perda auditiva geralmente estável ou de progressão muito lenta (ex: OTOG, STRC): avaliação anual ou bianual.
    • Para genes associados a perda auditiva classicamente progressiva (ex: COCH, GSDME, KCNQ4, MYO7A, MYO15A, SLC26A4, USH2A, WFS1): avaliação pelo menos anual, considerando avaliações bianuais para crianças.
    • Para genes associados a perda auditiva flutuante (ex: OTOF, SLC26A4): a frequência pode necessitar ser ajustada conforme as flutuações e sintomas do paciente.
  • Monitoramento de Condições Sistêmicas (Surdez Sindrômica): Em casos de surdez sindrômica, o acompanhamento a longo prazo deve incluir o monitoramento regular das manifestações multissistêmicas conhecidamente associadas à síndrome específica. Por exemplo:  
    • Síndrome de Usher: Acompanhamento oftalmológico regular para monitorar a progressão da retinose pigmentar.
    • Síndrome de Pendred: Avaliação tireoidiana periódica (clínica e ultrassonográfica) para detecção de bócio.
    • Síndrome de Alport: Monitoramento da função renal (urinálise, creatinina, pressão arterial) e avaliação oftalmológica.
    • Síndrome de Jervell e Lange-Nielsen: Acompanhamento cardiológico regular com ECG e manejo para prevenir arritmias.
    • Diretrizes internacionais para o manejo de síndromes específicas, como a síndrome da deleção 22q11.2 (que pode incluir perda auditiva), enfatizam a necessidade de vigilância e manejo multidisciplinar ao longo de toda a vida do paciente, com avaliações periódicas por diversas especialidades.  

 

  • Diretrizes Brasileiras para Seguimento: As Recomendações Técnicas do Ministério da Saúde (publicadas para consulta em 2023) para o seguimento assistencial de crianças identificadas na Triagem Auditiva Neonatal (TAN) que apresentam indicadores de risco para perda auditiva (IRDA) ou suspeita de surdez genética (como história familiar positiva) preconizam o monitoramento no serviço especializado ou Centro Especializado em Reabilitação (CER) até a idade escolar. A frequência desse monitoramento deve ser individualizada, considerando o indicador de risco específico, a idade da criança e a etiologia da perda auditiva familiar (ex: a cada 9 meses para histórico familiar de perda auditiva). É crucial a articulação entre os serviços especializados e a Atenção Primária à Saúde (APS) para o acompanhamento contínuo do desenvolvimento da audição e da linguagem da criança.  

O acompanhamento a longo prazo, portanto, não se limita à questão auditiva, mas abrange a saúde integral do indivíduo, especialmente nos casos sindrômicos. A identificação da causa genética é o que permite antecipar riscos, programar rastreamentos específicos e implementar medidas preventivas ou de manejo precoce para as diversas comorbidades potenciais.

Síntese dos impactos do diagnóstico genético na conduta médica

A incorporação da investigação genética na avaliação da surdez representa uma mudança de paradigma, transformando a abordagem de meramente sintomática para fundamentalmente etiológica. O diagnóstico genético preciso tem múltiplos e profundos impactos na conduta médica:

  1. Elucidação etiológica: Permite identificar a causa subjacente da perda auditiva em uma proporção significativa de casos, especialmente em perdas congênitas ou de início precoce, encerrando a “jornada diagnóstica” para muitas famílias. 
  2. Prognóstico individualizado: O genótipo específico pode fornecer informações valiosas sobre a provável história natural da perda auditiva, incluindo se ela tende a ser estável, progressiva ou flutuante, e qual o grau de severidade esperado.  
  3. Identificação de quadros sindrômicos: O teste genético pode revelar uma síndrome subjacente mesmo quando as manifestações extra-auditivas são sutis ou ainda não evidentes, alertando para a necessidade de investigação e manejo de comorbidades em outros órgãos e sistemas (ex: renal, cardíaco, visual, endócrino).  
  4. Direcionamento terapêutico: Informa a escolha das opções de reabilitação auditiva mais adequadas (AASI, tipo de AASI, indicação e momento do implante coclear) e o prognóstico esperado com essas intervenções.  
  5. Aconselhamento genético: É a base para um aconselhamento genético preciso, permitindo informar a família sobre o modo de herança, calcular os riscos de recorrência para futuros filhos e outros familiares, e discutir opções de planejamento reprodutivo.  
  6. Prevenção e manejo de riscos específicos: Em certos casos, como na identificação da mutação m.1555A>G, o diagnóstico genético permite evitar fatores de risco conhecidos (ex: aminoglicosídeos).  
  7. Acesso a terapias emergentes: Com o avanço da terapia gênica, o diagnóstico molecular específico será um pré-requisito para a elegibilidade a esses tratamentos futuros.  
  8. Impacto psicossocial: Fornece respostas e pode reduzir a ansiedade associada a uma condição de causa desconhecida, além de conectar famílias a grupos de apoio e recursos específicos.  

A surdez genética, com sua alta prevalência, complexidade molecular e o impacto transformador que o diagnóstico genético pode ter no manejo clínico e na vida dos pacientes e suas famílias, emerge como um campo paradigmático. Ela oferece uma oportunidade única para a implementação e o avanço dos princípios da medicina de precisão dentro do Sistema Único de Saúde brasileiro. Os desafios atuais – que incluem questões de custo, acesso a tecnologias, necessidade de dados populacionais robustos e a urgência por formação especializada – são, de fato, emblemáticos das barreiras mais amplas que a medicina de precisão enfrenta em um país de dimensões continentais e com recursos limitados como o Brasil.

Contudo, ao enfrentar e buscar superar esses desafios especificamente no contexto da surdez genética – por meio da formulação de políticas de incorporação de tecnologias diagnósticas que sejam baseadas em critérios sólidos de custo-efetividade, do fomento à pesquisa científica nacional para mapear a nossa diversidade genética, da criação de redes de referência bem estruturadas e da capacitação contínua dos profissionais de saúde – o Brasil poderia não apenas aprimorar drasticamente o cuidado aos indivíduos com perda auditiva de causa genética, mas também pavimentar o caminho e desenvolver uma infraestrutura de conhecimento e serviços que beneficiaria o manejo de inúmeras outras doenças genéticas no âmbito do SUS. A surdez genética pode, assim, funcionar como um catalisador, um “cavalo de Troia” positivo, para impulsionar a genômica e a medicina personalizada na saúde pública brasileira, com potencial para transformar a qualidade de vida de milhões de cidadãos.

 

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Dr. Luciano Moreira otorrino

Dr. Luciano Moreira – CRM-RJ 65192-3

Médico Otorrinolaringologista especializado em cirurgias da audição

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