O que é colesteatoma, afinal? Talvez você ou alguém próximo tenha recebido esse diagnóstico, ou simplesmente deseja entender melhor essa condição que, embora não seja um câncer, exige atenção e cuidado especializado. Meu objetivo enquanto médico otorrino focado em cirurgias do ouvido é fornecer conhecimento claro e confiável para que você possa tomar decisões mais informadas sobre sua saúde auditiva.
Este post é um mergulho completo no universo do colesteatoma. Vamos desmistificar termos técnicos, explicar as causas, como ele se manifesta, as formas de diagnóstico e, principalmente, as opções de tratamento, com destaque para os avanços cirúrgicos. Prepare-se para uma leitura detalhada, pensada para quem realmente quer ir além do básico.
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O que é o Colesteatoma: uma definição detalhada
Embora o nome “colesteatoma” possa soar um pouco assustador, derivando de palavras gregas que remetem a colesterol e tumor (uma denominação histórica que hoje sabemos ser imprecisa), é fundamental entender que o colesteatoma não é um tumor maligno (câncer).
Ele é, na verdade, um cisto de pele que se forma em um local inadequado: dentro do seu ouvido médio e/ou da mastoide (o osso poroso localizado atrás da orelha). Imagine um pequeno saco ou bolsa de pele, cujo revestimento interno é composto por epitélio escamoso queratinizado – o mesmo tipo de tecido que forma a camada mais externa da nossa pele. Essa “pele fora do lugar” continua a fazer o que a pele normalmente faz: descamar.
O problema é que, dentro do ouvido, essa descamação (queratina) não tem para onde sair. Ela vai se acumulando progressivamente dentro do cisto, fazendo com que ele cresça e se expanda. É como se uma pequena “pérola” de pele fosse crescendo lentamente dentro do ouvido.
Como reconhecer os sintomas do colesteatoma?
Os sintomas do colesteatoma podem ser sutis no início, mas tendem a piorar conforme a lesão cresce.
Sintomas mais comuns do colesteatoma
- Otorreia (Secreção no Ouvido): É um dos mais frequentes. A secreção costuma ser purulenta, persistente ou recorrente, e muitas vezes com mau cheiro (fétida), devido à infecção da queratina acumulada.
- Perda Auditiva: Geralmente do tipo condutiva (problema na transmissão do som). Pode ser progressiva e, no início, quase imperceptível.
- Otalgia (Dor de Ouvido): Pode variar de leve a intensa, especialmente durante infecções.
- Tinnitus (Zumbido): Percepção de som no ouvido ou na cabeça.
- Vertigem ou Tontura: Pode ocorrer se o colesteatoma erodir o labirinto, causando uma fístula (comunicação anormal) ou labirintite.
Como o colesteatoma causa danos?
A característica mais preocupante do colesteatoma é sua capacidade de destruir as delicadas estruturas ósseas do ouvido. Esse potencial destrutivo não vem de células cancerosas, mas de uma combinação de fatores:
- Pressão Mecânica: O acúmulo constante de queratina (pele descamada) dentro do cisto faz com que ele aumente de volume, exercendo uma pressão contínua sobre o osso ao redor. Com o tempo, essa pressão leva à reabsorção do osso.
- Atividade Enzimática: As células da “pele” do colesteatoma e as células inflamatórias que o acompanham liberam substâncias químicas (enzimas e citocinas) que literalmente dissolvem a matriz óssea. É uma destruição ativa, mediada por esses componentes.
- Inflamação Crônica e Infecção: A presença de queratina no ouvido médio frequentemente provoca uma inflamação crônica e facilita infecções bacterianas. Essas infecções, por sua vez, intensificam a inflamação e a produção de enzimas destrutivas, acelerando a erosão óssea.
Essa combinação perigosa pode levar à destruição dos ossículos da audição (martelo, bigorna e estribo), do labirinto (responsável pelo equilíbrio), do nervo facial e, em casos mais graves, pode até mesmo expor as estruturas do cérebro.
Congênito vs. Adquirido: entendendo a origem do colesteatoma
Existem basicamente duas formas de colesteatoma, classificadas conforme sua origem:
- Colesteatoma congênito: É aquele que se forma durante o desenvolvimento do bebê, antes do nascimento. Pequenos restos de células de pele podem ficar “presos” no osso temporal (onde o ouvido se localiza) durante a gestação. Para ser considerado congênito, o colesteatoma deve estar presente atrás de uma membrana timpânica intacta e normal, em uma criança sem histórico de infecções de ouvido, perfurações ou cirurgias prévias. Geralmente, aparece como uma pequena massa branca no ouvido médio.
- Colesteatoma adquirido: É o tipo mais comum e se desenvolve após o nascimento. Está geralmente associado a problemas na tuba auditiva (o canal que liga o nariz ao ouvido médio), infecções crônicas de ouvido (otites médias) e/ou perfurações do tímpano.
A tabela abaixo resume as principais diferenças:
Característica | Colesteatoma Congênito | Colesteatoma Adquirido |
Idade Típica | Infância (pico aos 4-5 anos) | Qualquer idade, mais comum em adultos jovens e meia-idade |
Aparência do Tímpano | Membrana timpânica intacta e normal | Retração, perfuração, secreção, pólipo, granulação |
Localização Inicial Comum | Ouvido médio (quadrante anterossuperior/posterosuperior) | Ático (parte superior do tímpano), parte posterior do tímpano |
Histórico de Otites/Cirurgia | Ausente | Frequentemente presente |
Por que o colesteatoma aparece? Causas específicas e fatores de risco
Entender as causas e os mecanismos por trás do colesteatoma é crucial, especialmente para a forma adquirida, que é a mais prevalente.
Colesteatoma congênito: O problema desde o nascimento
Como mencionado, o colesteatoma congênito surge de “restos” de células de pele que deveriam ter desaparecido durante o desenvolvimento embrionário, mas persistiram no ouvido médio. Uma vez presentes, essas células começam a se multiplicar e descamar, formando o cisto.
Colesteatoma adquirido: o tipo mais comum e seus mecanismos
A formação do colesteatoma adquirido é mais complexa e geralmente envolve uma disfunção da tuba auditiva e inflamação crônica. A teoria mais aceita para o Colesteatoma Adquirido Primário (CAP), o tipo mais frequente, é a teoria da invaginação ou retração:
- Disfunção da Tuba Auditiva (DTA): A tuba auditiva é responsável por manter a pressão do ar igual dos dois lados do tímpano. Se ela não funciona bem (por alergias, sinusites, infecções respiratórias, etc.), a ventilação do ouvido médio fica comprometida.
- Pressão Negativa no Ouvido Médio: O ar no ouvido médio é absorvido, e como a tuba não repõe adequadamente, cria-se uma pressão negativa, como um vácuo.
- Retração da Membrana Timpânica: A parte mais frágil do tímpano (geralmente a pars flaccida, na região superior, ou a pars tensa posterior) é “sugada” para dentro do ouvido médio, formando uma bolsa de retração.
- Acúmulo de Queratina: A pele que reveste o tímpano por fora continua descamando. Dentro dessa bolsa de retração, o mecanismo de autolimpeza falha, e a queratina se acumula.
- Expansão e Inflamação: Esse acúmulo, junto com inflamação e infecções, faz a bolsa crescer e começar a erodir o osso.
O Colesteatoma Adquirido Secundário (CAS) pode surgir por outros caminhos:
- Imigração Epitelial: Células de pele do canal auditivo externo ou da borda de uma perfuração do tímpano migram para dentro do ouvido médio.
- Metaplasia Escamosa (menos comum): A inflamação crônica poderia transformar o revestimento normal do ouvido médio em pele.
- Hiperplasia de Células Basais: A inflamação estimularia as células da camada mais profunda da pele do tímpano a crescerem para dentro.
- Colesteatoma Iatrogênico: Pode ocorrer, raramente, se fragmentos de pele forem implantados no ouvido médio durante uma cirurgia otológica.
Fatores que aumentam o risco de desenvolver colesteatoma
Alguns fatores tornam uma pessoa mais suscetível, principalmente ao colesteatoma adquirido:
- Disfunção Crônica da Tuba Auditiva: É o principal fator de risco para o CAP.
- Otite Média Crônica: Seja com secreção (secretora) ou com perfuração e pus (supurativa).
- Histórico de Perfuração Timpânica: Especialmente as perfurações nas bordas do tímpano ou na parte superior.
- Cirurgias Otológicas Prévias: Em raras situações.
- Anomalias Craniofaciais: Como fenda palatina e Síndrome de Down, que frequentemente cursam com DTA.
- Fatores Socioeconômicos: Dificuldade de acesso a cuidados médicos pode levar ao tratamento inadequado de otites, aumentando o risco.
Sinais de complicações (sintomas incomuns e graves)
À medida que o colesteatoma avança, podem surgir sintomas mais sérios, indicando complicações:
- Paralisia do Nervo Facial: Fraqueza ou paralisia dos músculos de um lado do rosto. É um sinal de alerta que requer intervenção urgente.
- Fístula Labiríntica: Erosão do osso que protege o ouvido interno, causando vertigem intensa, náuseas e vômitos.
- Complicações Intracranianas: Embora raras hoje em dia, o colesteatoma pode levar a meningite, abscessos cerebrais ou tromboflebite de seios venosos. São condições graves que exigem tratamento imediato.
- Outros: Dor de cabeça persistente, dor profunda atrás da orelha, febre.
O diagnóstico do colesteatoma
O diagnóstico envolve uma combinação de história clínica, exame físico e exames complementares.
Exame físico: o que o médico vê? (Otoscopia/Microscopia)
A visualização direta do tímpano e do ouvido médio é fundamental. O otorrinolaringologista utilizará um otoscópio ou, idealmente, um microscópio para examinar o ouvido. Achados típicos incluem:
- Bolsa de retração com acúmulo de material esbranquiçado (queratina).
- Perfuração timpânica, especialmente marginal ou no ático, com queratina ou secreção.
- Massa esbranquiçada visível através de uma perfuração ou atrás de um tímpano íntegro (no colesteatoma congênito).
- Pólipo ou tecido de granulação saindo do ouvido médio.
Testes de audição (Audiometria)
A audiometria tonal e vocal quantifica a perda auditiva e determina seu tipo (condutiva, neurossensorial ou mista). A perda condutiva é a mais comum.
Exames de imagem
São cruciais para avaliar a extensão da doença e planejar a cirurgia.
- Tomografia Computadorizada (TC) de Alta Resolução dos Ossos Temporais: É o exame de escolha inicial. Mostra a presença da massa de colesteatoma, a erosão óssea (ossículos, mastoide, etc.) e a anatomia local. Sua limitação é não diferenciar bem o colesteatoma de tecido inflamatório ou cicatricial, especialmente no pós-operatório.
- Ressonância Magnética (RM) com Sequências de Difusão (DWI): Tornou-se uma ferramenta valiosíssima. O colesteatoma restringe a difusão da água e brilha intensamente nas sequências de DWI, permitindo diferenciá-lo (mesmo lesões pequenas de 2-3 mm) de inflamação, cicatriz ou secreção. É particularmente útil para detectar colesteatoma residual (que sobrou da cirurgia) ou recorrente (que voltou), muitas vezes evitando uma nova cirurgia exploratória (“second look”).
Opções de tratamento para o colesteatoma
O tratamento definitivo do colesteatoma é, na grande maioria dos casos, cirúrgico.
Cirurgia: a principal arma contra o Colesteatoma
Os objetivos principais da cirurgia são:
- Erradicação completa da doença: Remover todo o colesteatoma.
- Criação de um ouvido seguro e seco: Eliminar a infecção e prevenir complicações.
- Preservação ou reconstrução da audição: Quando possível, mas a remoção da doença é sempre a prioridade.
Existem diferentes abordagens cirúrgicas:
Abordagens Microscópicas Tradicionais
Realizadas com microscópio cirúrgico, podem ser:
- Mastoidectomia com manutenção da parede do canal (Canal Wall Up – CWU): A parede posterior do canal auditivo é preservada, mantendo uma anatomia mais próxima do normal.
- Vantagens: Melhor potencial auditivo, não forma uma cavidade aberta.
- Desvantagens: Maior risco de doença residual ou recorrente, pois a visualização de áreas escondidas é limitada. Frequentemente, indica-se uma segunda cirurgia (“second look”) para verificar se há doença remanescente.
- Mastoidectomia com remoção da parede do canal (Canal Wall Down – CWD): A parede posterior do canal é removida, criando uma cavidade única que se comunica com o exterior.
- Vantagens: Excelente exposição, menores taxas de doença residual/recorrente.
- Desvantagens: Cria uma cavidade que pode precisar de limpeza regular, ser propensa a infecções com entrada de água, e os resultados auditivos podem ser menos favoráveis.
Tratamentos não cirúrgicos do colesteatoma
O tratamento não cirúrgico é limitado e não cura o colesteatoma. Serve como paliativo ou adjuvante:
- Limpeza Otológica (Aural Toilet): Remoção regular de queratina e secreção, sob microscopia. Ajuda a controlar a infecção e sintomas em pacientes que não podem operar ou em cavidades de mastoidectomia.
- Gotas Otológicas (Antibióticos/Esteroides): Para tratar infecções e reduzir inflamação. Aliviam a secreção, mas não eliminam o colesteatoma.
Prognóstico e acompanhamento: o que esperar?
O sucesso do tratamento depende da extensão da doença, tipo, presença de complicações, técnica cirúrgica e adesão ao acompanhamento. A principal preocupação é a recorrência:
- Colesteatoma Residual: Doença deixada para trás na cirurgia.
- Colesteatoma Recorrente (verdadeiro): Formação de uma nova bolsa de retração.
O acompanhamento a longo prazo, por muitos anos, com exames clínicos e, às vezes, ressonancia magnetica, é essencial para detectar qualquer recidiva precocemente.
Avanços e pesquisas no tratamento do colesteatoma
A pesquisa continua ativa, buscando aprimorar o diagnóstico e tratamento:
- Novas Técnicas Cirúrgicas: Cirurgia robótica, sistemas de navegação guiada por imagem e uso de lasers são áreas em desenvolvimento, buscando maior precisão e menor invasividade.
- Terapias Medicamentosas Emergentes: Pesquisas investigam medicamentos que possam modular a inflamação (ex: anti-TNF-?), inibir a reabsorção óssea (ex: bisfosfonatos), ou normalizar o crescimento da pele do colesteatoma. Nenhuma terapia medicamentosa é curativa atualmente, mas são uma esperança para o futuro, talvez como adjuvantes à cirurgia.
- Estudos Genéticos e Moleculares: Buscam identificar fatores de suscetibilidade genética e biomarcadores que possam prever a agressividade da doença ou o risco de recorrência.
- Biomateriais e Engenharia Tecidual: Desenvolvimento de materiais melhores para reconstrução e, quem sabe, formas de regenerar os tecidos normais do ouvido.
Conexões com outras condições médicas
O colesteatoma está frequentemente ligado à disfunção da tuba auditiva, que por sua vez pode ser causada por rinite alérgica, sinusite crônica, ou hipertrofia de adenoide. Síndromes craniofaciais também aumentam o risco. Complicações podem exigir a colaboração com neurologistas, neurocirurgiões e radiologistas.
O colesteatoma é uma condição séria, mas com diagnóstico precoce e tratamento adequado, os resultados podem ser muito positivos. A chave é entender que, apesar de benigno histologicamente, seu comportamento é destrutivo e exige uma abordagem completa.
Os avanços, especialmente com a cirurgia endoscópica (TEES), têm oferecido novas perspectivas para uma remoção mais completa da doença de forma menos invasiva em muitos casos. No entanto, a escolha da melhor estratégia cirúrgica é sempre individualizada, discutida entre você e seu otorrinolaringologista.
Lembre-se: a informação é uma ferramenta poderosa. Se você suspeita de um colesteatoma ou foi diagnosticado, procure um especialista. Um acompanhamento cuidadoso e a longo prazo é fundamental para garantir um ouvido saudável e livre de doença
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